Para negar indenização a feridos na chamada Batalha do Centro Cívico, o Estado do Paraná terá que comprovar, caso a caso, que as vítimas provocaram a ação repressiva dos policiais. A decisão veio após o Supremo Tribunal Federal (STF) formar maioria de votos nesta quarta-feira (29) em um recurso protocolado pelo Ministério Público (MP-PR).
A questão foi debatida no Recurso Extraordinário (RE) 1467145 contra uma decisão do Tribunal de Justiça (TJ-PR) que havia definido que as vítimas é que deveriam provar que não foram culpadas pela ação policial.
A Batalha do Centro Cívico ocorreu em 29 de abril de 2015, quando servidores estaduais, a maioria professores, protestavam em frente à sede da Assembleia Legislativa, onde os deputados estaduais votavam um projeto que alterava o custeio da Paraná Previdência.
Um grupo de manifestantes teria derrubado a barreira de proteção e a Polícia Militar (PM) reagiu com o uso de bastões e spray de pimenta. Em seguida, unidades de operações especiais utilizaram bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo, lançados até de helicóptero, e o uso de balas de borracha. A ação resultou em 213 pessoas feridas, 14 de maneira grave.
A pedido do Governo do Paraná, o TJ-PR instaurou um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), a fim de julgar de forma igual os diversos pedidos de indenização feitos pelos feridos na operação. Ao julgar o caso, a Corte decidiu que a responsabilidade do Estado estaria restrita às situações em que a vítima pudesse comprovar que era “terceiro inocente”, ou seja, que não estava envolvida na manifestação ou na operação e que não havia provocado a reação do agente.
O relator do recurso, ministro Flávio Dino, observou que o assunto é semelhante ao Tema 1.055 da Repercussão Geral, em que o STF decidiu que o Estado tem o dever de pagar indenização a profissional de imprensa ferido por agentes policiais durante cobertura jornalística, em manifestações em que haja tumulto ou conflitos entre policiais e manifestantes. A exceção fica para o profissional de imprensa que descumprir advertência clara e ostensiva sobre acesso a áreas delimitadas em que haja risco à sua integridade.
Dino observou que, em princípio, a conduta dos manifestantes não era ilegal, pois a Constituição protege o direito de manifestação e de reunião pacífica, sem armas, em locais abertos ao público. Nos casos em que houve excesso por parte de manifestantes, o Estado tem meios de documentar e provar que a reação policial foi proporcional e necessária.
Segundo o relator, a culpa da vítima não pode ser presumida nem avaliada por meio de um instrumento para analisar demandas repetitivas, mecanismo que permite ao tribunal julgar processos semelhantes sem a análise individualizada de cada um. Para reconhecer a culpa do manifestante, é preciso verificar caso a caso, sem inversão do ônus da prova, ou seja, o Estado é que deve provar que o uso da força foi legitimado por conduta individual de cada manifestante.
Ficou parcialmente vencido o ministro Nunes Marques, que seguiu o relator apenas quanto à impossibilidade de analisar a responsabilidade civil do Estado por meio de incidente de demandas repetitivas.
Em março deste ano, no começo do julgamento do Recurso Extraordinário, o STF havia decidido que haveria repercussão geral, ou seja, a decisão servirá de base para todos os casos semelhantes que chegarem ao tribunal.
*Nota da Redação: O episódio de 29 de abril de 2015 ficou conhecido por diversos nomes, como Batalha do Centro Cívico, Massacre do Centro Cívico e até Operação do Centro Cívico. Embora o termo “batalha” não traduza com precisão os acontecimentos daquele dia, O Luzeiro optou por utilizar a expressão Batalha do Centro Cívico para se referir a ele devido à relação direta entre a palavra “massacre” e mortes (HOUAISS, 2009) — não à toa utilizada para descrever e nomear episódios como o Massacre do Carandiru e o Massacre de Eldorado dos Carajás.


