Entrou no radar e não sai mais — ainda bem. Com a Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego nº 1.419/2024, os fatores de risco psicossociais passaram a fazer parte oficial do Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO)/Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR). 2025 ainda está sendo um ano de caráter educativo e, a partir de 26 de maio de 2026, a exigência entra em vigor para valer.
O recado é simples: não dá mais para empurrar com a barriga — precisamos tratar pressão de metas, ambiguidade de papel, assédio, sobrecarga digital e organização do trabalho como riscos de negócio. E registrar tudo isso no inventário de riscos, como já fazemos com físicos, químicos, biológicos e ergonômicos.
“Mas por que agora?” Porque a conta chegou, simples assim. Em 2024, o Paraná bateu recorde de afastamentos por transtornos mentais: 24.706 licenças — somos o 6º Estado nesse ranking nada honroso. Quando olhamos o Brasil, foram mais de 470 mil afastamentos por ansiedade, depressão e afins, o maior volume da década. Isso não é “tendência” de rede social: é custo, rotatividade, produção que para, cliente que reclama.
E tem um tempero local. Em 2025, o Estado voltou a abrir muito emprego formal, puxado por serviços e pela interiorização das oportunidades. Ótimo! Ao mesmo tempo, isso quer dizer mais gente nova aprendendo processos, mais coordenação entre turnos e mais pressão por prazo — um caldo perfeito para estresse se a liderança e a organização do trabalho não acompanharem. É aqui que a gestão de riscos psicossociais faz diferença: previne antes de virar afastamento.
O que exatamente mudou na norma? A Norma Regulamentadora 1 (NR-1) passou a citar bem explicitamente os fatores de risco psicossociais no capítulo 1.5 (GRO) e no Anexo I (definições).
Traduzindo: o inventário de riscos deve listá-los, avaliá-los e associá-los a controles. A NR-17 segue como referência para adaptar o trabalho às características psicofisiológicas — Avaliação Ergonômica Preliminar (AEP)/Análise Ergonômica do Trabalho (AET), teleatendimento, conforto —, e precisa conversar com esse novo olhar. Norma não cura ninguém, mas orienta o caminho e deixa claro o que precisa estar escrito — e praticado.
Tratar gente bem não é bondade: é competência de gestão. Risco psicossocial se endereça com gestão: clarificar papéis, ajustar metas, treinar líderes de verdade e, sim, documentar no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) como qualquer outro risco. Isso protege gente e empresa.
O que funciona no dia a dia das nossas empresas — da metalmecânica em Ponta Grossa à rede de varejo em Cascavel, passando pelo escritório em Curitiba — não é fórmula mágica: é gestão de risco tratada como risco de negócio.
Com a NR-1 incorporando fatores psicossociais ao GRO/PGR e a NR-17 lembrando que ergonomia não é só cadeira e iluminação, a pergunta deixou de ser “se” e virou “como” — especialmente no Paraná, onde a interiorização das vagas e o giro de equipes exigem coordenação fina de metas, turnos e processos.
- Comece ouvindo de verdade. Duas semanas bastam para uma escuta dirigida com quem sente a pressão no turno, com líderes e com quem voltou de afastamento. A essa altura, a empresa já tem dados que contam parte da história: atestados, trocas de turno, incidentes e chamados de conflito. O passo seguinte é um mapa de uma página — nada de relatório gigante para travar na gaveta — que responda com honestidade: onde dói e por quê. Cada operação tem seu próprio “calo”.
- Daí vem a priorização, sem rodeio: gravidade, exposição e grau de controle. Quase sempre a organização do trabalho aparece no topo — metas que não conversam com o ritmo real, pausas mal planejadas, turnos longos somados a deslocamentos, acúmulo de função, sistemas que travam e jogam o problema no colo do atendente. Ergonomia fecha o triângulo: posto, ferramenta, ruído, calor. A NR-17 ajuda a separar o que é ajuste físico do que é redesenho de processo — e as duas coisas precisam andar juntas.
- O plano cabe em 12 semanas, com responsáveis claros e cadência simples. Três frentes resolvem 80% dos casos: liderança (feedback decente, clareza de expectativa, conflito tratado antes de virar caso), organização do trabalho (pausas de verdade, metas atingíveis, rodízio, revisão de escalas) e suporte (canal que realmente funciona, retorno dentro do prazo, AEP/AET quando indicado). É mais barato do que um afastamento — e, sobretudo, é mais humano. Tradução para quem ama indicadores: reduz variabilidade e estabiliza a entrega.
- Um parêntese necessário: quando a meta depende de plataforma que vive mudando, sem treinamento e sem ajuste de carga, o risco psicossocial explode. Não é “fragilidade individual”; é desenho ruim. Ajustar o ritmo, estabilizar as ferramentas e alinhar expectativas evita adoecimento — e manchete negativa.
- Medir sem burocracia é possível. Quatro números já estão na mesa: afastamentos (volume e motivo), rotatividade, incidentes de conflito/assédio e uso do canal de denúncia com seus prazos de resposta. Some um pulso mensal com duas perguntas simples sobre exaustão e justiça/clareza, acompanhando por time e por turno. No Paraná, dá para cruzar essa leitura com dados públicos (SmartLab/Ministério Público do Trabalho-Organização Internacional do Trabalho) e acionar a rede Senai/Fiep para qualificar supervisão e redesenhar processos — é usar o que já existe a favor da saúde, do clima e do resultado.
No fim, a conta é direta: o custo do “deixa assim” está nas filas do INSS e nos turnos desfalcados; o custo de “organizar a casa” cabe no orçamento e volta em previsibilidade, qualidade e confiança.
Tratar gente bem não é bondade: é competência de gestão. Risco psicossocial se endereça com gestão: clarificar papéis, ajustar metas, treinar líderes de verdade e, sim, documentar no PGR como qualquer outro risco. Isso protege gente e empresa.
O que não fazer? Três coisas. Transformar tudo em “campanha de bem-estar” sem mexer na organização do trabalho. Tratar como moda — “passa já já”. E terceirizar a empatia para palestra motivacional.
Fecho com uma provocação pé no chão: se o Paraná é bom para abrir vagas e atrair investimento, precisa ser igualmente bom em manter as pessoas saudáveis e produtivas. O custo do “deixa assim” está nas filas do INSS e nos turnos desfalcados. O custo do “vamos organizar a casa” cabe no orçamento — e volta em previsibilidade, qualidade e confiança. E, não menos importante, cabe na consciência: tratar gente bem não é favor, é competência de gestão.
Fernanda Alves Chaves é especialista em Gestão de Pessoas, fundadora da DualFusion e diretora da ABRH-PR há mais de 30 anos. www.linkedin.com/in/fernandaalveschaves/