Semana passada estava conversando com uma ginecologista amiga sobre como o mercado farmacêutico sempre tratou questões femininas. Ela me disse algo que não sai da minha cabeça: “Roberta, a maioria dos medicamentos foram testados apenas em homens até os anos 1990. A gente prescrevia remédios sem nem saber se funcionavam direito no corpo feminino”.
Aquilo me fez pensar: se até a medicina nos tratava como uma versão complicada dos homens, imagina o mundo dos negócios? Quantas necessidades nossas foram simplesmente ignoradas?
A verdade é que por décadas fomos tratadas como “homens com hormônios”. Buscando referências, em 1977 – pasmem! – a FDA (a Anvisa dos Estados Unidos) excluiu mulheres em idade fértil dos testes de medicamentos. Resultado? Uma medicina feita por homens, para homens, aplicada em todo mundo.
A verdade é que por décadas, pesquisadores evitaram incluir mulheres em estudos médicos alegando que “flutuações hormonais complicariam os resultados”. Traduzindo: éramos complicadas demais para a ciência, mas simples o suficiente para recebermos os mesmos tratamentos.
Mas aí vai: uma nova geração de empreendedoras brasileiras olhou para essa negligência e pensou “opa, tem negócio aqui”. E que negócio! Estamos falando de um mercado de US$ 1,186 trilhão só em condições que afetam exclusivamente ou principalmente mulheres.
As pioneiras que decidiram falar
Andressa Stuart: “Vou falar de menopausa, sim!”
Andressa criou a Kefi (vivakefi.com.br) depois de ter situações familiares envolvendo a saúde da mulher e perceber que muitos assuntos eram tabus, não tinham respostas, incluindo a fase da menopausa.
Enquanto todo mundo fingia que fogachos, insônia e mudanças de humor eram “coisas da idade”, ela desenvolveu uma linha completa de suplementos 100% veganos específicos para essa fase. Além disso, produz conteúdo de valor em dois podcasts A Hora da Menopausa, transmitido na rádio Habla FM, no Youtube e no Spotify e o PodKefi, trazendo diversos debates sobre a saúde da mulher, nos mais diversos aspectos.
Sabe o que mais me impressiona? A menopausa afeta metade da população feminina mundial, mas até bem pouco tempo atrás, se você procurasse produtos específicos, encontrava… nada! Como assim nada?
Stephanie e a Oya Care: “Sua fertilidade não é mistério”
A Stephanie fundou a primeira healthtech digital focada em saúde feminina no Brasil. A Oya Care oferece relatório de fertilidade através de exame de sangue e consulta online com ginecologista especializada.
Por que isso é revolucionário? Porque cresceu o número de mulheres que se tornam mães depois dos 30, mas a informação sobre fertilidade continuava sendo um mistério guardado a sete chaves nos consultórios médicos.
Feel & Lilit: Quebrando mais um tabu
Esta femtech atua no mercado de saúde íntima e sexual feminina – aquele assunto que todo mundo tem, mas ninguém fala. E pasmem: cresce com investimentos vindos predominantemente de investidoras mulheres!
Esses são apenas alguns exemplos de como transformar negligência histórica em oportunidade de ouro e de como as mulheres estão finalmente criando as soluções que sempre precisaram.
O paradoxo que está na cara, mas muitos fingem não ver
Vou te mostrar uns números que revelam uma contradição absurda no mercado brasileiro.
Primeiro, os dados sobre empreendedorismo feminino são uma bagunça completa: dependendo da fonte, apenas 4,7% das startups são fundadas exclusivamente por mulheres, mas o Sebrae aponta que somos 31%, pois inclui startups com pelo menos uma cofundadora mulher. Essa diferença nos números já mostra como ainda estamos invisíveis nas estatísticas oficiais.
Agora vem o paradoxo real: segundo o IBGE, somos nós que cuidamos de 90% das questões de saúde da família. Ou seja, tomamos as decisões de compra, pesquisamos produtos, levamos todo mundo no médico, gerenciamos medicamentos. Mas, até 2021, startups fundadas só por mulheres recebiam míseros 0,04% dos investimentos; Felizmente, em 2024, esse número saltou para 11,8% , ainda longe do ideal, mas pelo menos saímos daquele lugar.
O mais interessante? Durante anos o mercado parecia dizer: “vocês entendem das necessidades de saúde de todo mundo, mas vamos investir nosso dinheiro em outras áreas”.
E sabe qual foi a resposta das nossas empreendedoras? Transformaram essa contradição em combustível e estão provando que conhecer o problema é meio caminho andado para a solução.
E você? Está sofrendo calada com alguma coisa?
Quantas vezes você ouviu “isso é normal de mulher” quando reclamava de algo? Quantas dores você normalizou porque “é assim mesmo”?
As femtechs brasileiras estão provando que muito do que aceitamos como “normal” não precisa ser. Elas estão transformando dores silenciadas em soluções tecnológicas, tabus em oportunidades bilionárias.
Existem 97 condições de saúde que afetam mais ou exclusivamente mulheres. Noventa e sete! E até bem pouco tempo, a maioria era tratada como “frescura” ou “coisa da nossa cabeça”.
O futuro (finalmente) chegou
As femtechs devem movimentar US$ 50 bilhões até 2025. No Brasil, já temos a Femtech Brasil, movimento que reúne startups como Feel & Lilit, Fertilid, Gestar, B2Mammy e outras pioneiras.
Estas mulheres não estão apenas criando produtos; estão reescrevendo nossa relação com o próprio corpo. Cada startup que surge é uma pequena revolução: “Não, você não precisa sofrer calada. Sim, existe solução para isso.”
E agora, me conta…
Qual “problema feminino” você sempre aceitou como normal? Já pensou que talvez existe uma empreendedora por aí criando uma solução para exatamente isso?
Porque olha só: enquanto o establishment médico nos ignorava, nossas “manas” empreendedoras estavam prestando atenção. Elas ouviram nossas dores, viram nossas necessidades e pensaram: “Se ninguém vai resolver, nós resolvemos.”
A revolução das femtechs brasileiras é sobre poder – o poder de nomear problemas que foram invisibilizados, de criar soluções que foram negligenciadas, de transformar décadas de “é normal de mulher” em “existe solução para isso”.
E você, querida leitora, vai continuar guardando suas dores ou vai procurar quem já criou a solução que você nem sabia que existia?
Porque nossas necessidades não são “complicações”, são oportunidades. E felizmente, uma nova geração de mulheres finalmente entendeu isso.
Roberta da Trindade é fundadora da Habla FM e E-foco Soluções Comerciais | Criadora do Habla Empreendedora (TV, Rádio, Podcast, portais e Comunidade) | Especialista em Gestão Comercial e Pessoas | Voz do Empreendedorismo Feminino. www.linkedin.com/in/robertadatrindade/
Referências
- ABSTARTUPS. StartupBase 2024: O retrato das startups brasileiras. São Paulo, 2024.
- DISTRITO. Female Founders Report 2023: O panorama do empreendedorismo feminino no ecossistema de inovação brasileiro. São Paulo, 2023.
- GRAND VIEW RESEARCH. Femtech Market Size, Share & Trends Analysis Report By Application, By End Use, By Region And Segment Forecasts, 2024-2030. San Francisco, 2024.
- INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua: Outras formas de trabalho 2022. Rio de Janeiro, 2023.
- KEFI. Sobre a empresa. Disponível em: https://www.vivakefi.com.br. Acesso em: set. 2025.
- OYA CARE. Primeira healthtech digital com foco na saúde feminina. Disponível em: https://oya.care. Acesso em: set. 2025.
- SEBRAE. Empreendedorismo Feminino no Brasil 2023: Perfil e características das mulheres empreendedoras. Brasília, 2023.