A pandemia passou, mas deixou uma herança silenciosa nas relações de trabalho: o desaparecimento da convivência. Cada vez mais empresas se deparam com um novo fenômeno, o “escritório fantasma”. O espaço que antes pulsava com trocas, ideias e encontros se tornou um cenário vazio, com mesas desocupadas e um silêncio que diz muito sobre o nosso tempo.
O problema vai muito além do home office. O que está em jogo é uma transformação de comportamento. Mesmo com o retorno presencial, algo se perdeu. Não é apenas a tecnologia que nos distanciou, é a cultura. Estamos diante de uma geração que, em nome da autonomia, tem preferido o isolamento à convivência.
Pesquisas recentes ajudam a dimensionar esse movimento. Um estudo do Núcleo de Estudos de Comportamento e Gestão de Pessoas (Ceneg), do Insper, mostra que o trabalho remoto se manteve em níveis altos após a pandemia, com uma média de 2,32 dias remotos por semana. Ou seja, o modelo híbrido se consolidou, e dificilmente haverá um retorno total ao passado.
Mas esse novo cenário traz efeitos colaterais. A distância prolongada enfraquece vínculos, reduz a empatia e compromete a construção de uma cultura de pertencimento. Quando a convivência se torna rara, a colaboração se empobrece. Um exemplo simples, mas simbólico, é o fim da “cultura do café”. Aqueles minutos de conversa informal, que geravam confiança, insights e afeto, praticamente desapareceram.
Essa ausência de interação também compromete a formação de lideranças. Mentoria não se faz por planilha nem por videoconferência. O líder precisa observar o comportamento diário, perceber nuances, acompanhar o time de perto. É no olhar, no gesto e na presença que se formam os vínculos e se transmite a cultura da empresa.
O estudo do Ceneg/Insper traz outro alerta: restringir o trabalho remoto pode gerar ruptura no “contrato psicológico” entre empresas e colaboradores. Até 93% dos profissionais que trabalham integralmente de forma remota afirmam que considerariam mudar de emprego se perdessem essa condição. Ou seja, o retorno forçado ao presencial pode custar caro em engajamento e em talentos.
Por isso, o desafio das organizações não é simplesmente trazer as pessoas de volta, mas reconstruir o sentido da presença. O escritório precisa voltar a ser um lugar de conexão, não de controle. Um ambiente que desperte o desejo de estar junto, que ofereça experiências, aprendizado e propósito.
Isso exige repensar o próprio desenho dos espaços. Muitos escritórios ainda seguem o modelo da Revolução Industrial, baias, divisórias e telas por todos os lados. São estruturas que inibem a convivência e reforçam o isolamento. O futuro do trabalho passa por ambientes que favoreçam o encontro, a criatividade e a troca genuína.
Se não criarmos espaços e culturas que valorizem a convivência, estaremos promovendo uma nova forma de solidão, com gente presente, mas desconectada. E essa talvez seja a herança mais perigosa deixada pela pandemia. O “escritório fantasma” é um alerta. É hora de reconhecer que o retorno não é sobre o lugar, mas sobre o propósito. E o propósito, hoje, é reconectar pessoas.
Adeildo Nascimento é economista formado pela UFPR, com especialização em Gestão de Pessoas e Liderança, com atuação em empresas nacionais e multinacionais, incluindo Bosch, GVT, HSBC, MadeiraMadeira e Fiep. Também é fundador DHEO Consultoria, especializada em cultura organizacional.
www.dheoconsultoria.com.br e www.adeildo.com


