O texto abaixo é um artigo de opinião da autora, que não reflete necessariamente a opinião de O Luzeiro
A vereadora Maria Letícia (PV) protagonizou manchetes em novembro do ano passado após se envolver em um acidente de carro embriagada e desacatar autoridades. Em consequência, o Conselho de Ética da Câmara de Vereadores optou pela punição mais branda das que foram pautadas, suspendendo suas prerrogativas de mandato por seis meses. Insatisfeita, a vereadora acusa o Conselho da Câmara de misoginia, utilizando seu gênero como argumento para se eximir de responsabilidades. Será mesmo que a vereadora foi vítima de machismo e violência de gênero?
Vamos aos fatos. Após ser questionada sobre seu estado durante o acidente, a vereadora utilizou a desculpa de ter feito uso de remédios que a teriam feito perder a noção da direção. E há quem ainda acredite nessa versão? Imagens mostram que ao sair do carro, a vereadora estava cambaleando; os policiais presentes afirmam que ela admitiu ter bebido durante a primeira abordagem (mudando de versão apenas após contato com advogados) e há relatos de que ela foi vista fazendo uso de bebidas alcoólicas no show da Ludmilla horas antes do acidente. Mesmo diante dessas evidências, a vereadora insiste na narrativa de ter sido efeito de remédios, dos quais ela alega desconhecer os efeitos colaterais, mesmo sendo médica.
Quanto ao fato de desacatar autoridades, a vereadora não apenas recorre ao seu gênero, mas também à sua idade, alegando ser apenas uma senhora de 64 anos que não representa perigo para a sociedade. Será mesmo que a vereadora desconhece os perigos de dirigir embriagada?
A sanção que a vereadora recebeu foi até mais branda do que o esperado. No Conselho de Ética da Câmara de Vereadores, houve um voto pela cassação de seu mandato, mas esse voto não foi acatado pela maioria. A cassação de um mandato ocorre quando há uma quebra do decoro parlamentar, o que significa condutas inadequadas ou antiéticas por parte de parlamentares, geralmente durante suas atividades oficiais. No entanto, mesmo condutas fora do exercício da função parlamentar podem ser consideradas quebra de decoro parlamentar por afetar a reputação da instituição legislativa como um todo. Um caso semelhante foi enfrentado recentemente pela Câmara Municipal de Curitiba.
Em junho de 2022, o ex-vereador Renato Freitas (PT) teve seu mandato cassado por perturbar um culto religioso e realizar uma manifestação política dentro da Igreja do Rosário, violando assim a Liberdade Religiosa dos participantes da missa. No entanto, no caso da Maria Letícia, a situação envolve uma conduta potencialmente mais grave, que é dirigir alcoolizada, o que representa não apenas uma violação das leis de trânsito, mas também um risco claro à vida de outras pessoas. Ou seja, a Câmara de Vereadores foi muito mais rígida com um homem, apesar de sua conduta não ter sido tão grave quanto a de Maria Letícia.
E convenhamos que em véspera de eleição, ter a suspensão por seis meses de prerrogativas é um bônus que a vereadora recebe. Assim, ela terá menos responsabilidade como vereadora, mantendo seu salário e sua equipe de gabinete, que poderão trabalhar integralmente para sua reeleição. Mas, nas palavras da vereadora, “A penalização contra as mulheres é extremamente severa”.
Toda essa história é muito vergonhosa. Mas eu julgo dizer que o mais triste é ver uma vereadora usando seu gênero para se esquivar de suas responsabilidades. Nós, mulheres, trabalhamos muito para chegar em espaços políticos e sermos respeitadas nesses ambientes. Esse tipo de argumentação invalida toda a causa feminina. Isso dá margem para discursos misóginos dizerem que quando uma mulher que está no espaço político comete um erro, ela solicita penas mais brandas.
As mulheres não precisam receber punições mais brandas apenas por serem mulheres. O gênero feminino nos capacita a assumir cargos políticos e todas as responsabilidades que vêm com eles.
* Anne Dias é advogada, presidente do LOLA Brasil e diretora do programa de núcleos do LOLA internacional (Ladies of Liberty Alliance)