Faço uma reflexão sobre quem afinal é o culpado, ou os culpados, de toda esta catástrofe climática ocorrida no Rio Grande do Sul, um evento extremo que provocou a maior cheia do Rio Guaíba até então, chegando ao pico de 5,33 metros (BBC) e ultrapassando a cota de inundação de 3 metros (SNIRH) afetando mais de 2,1 milhões de pessoas. É claro que, no meio de toda esta crise, sempre se busca quem, de certa forma, causou toda essa situação agravante.
Minha análise é sob o ponto de vista da responsabilidade da governança corporativa pública ou melhor, do governo. E para entendermos o que ocasionou toda esta calamidade pública, faz-se necessário relacionarmos com os mecanismos de governança pública e apontar quais as falhas e as possíveis soluções para que, no futuro, não ocorra novamente o desalojamento de pessoas, perda de suas casas, perdas de vidas – seja seres humanos e animais-, afetando todo o ecossistema em decorrência do evento climático.
A governança corporativa envolve uma série de mecanismos que, de certa forma, podem contribuir para melhorar as respostas rápidas a eventos como o ocorrido em maio de 2024, que assolou o Rio Grande do Sul. E quais seriam os mecanismos que poderiam ter dado total segurança nas tomadas de decisões dos líderes do governo do Estado?
Em uma rápida pesquisa aos sites do governo gaúcho, para a análise geral do planejamento estratégico do Estado, encontrei informações na página da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão, referente ao lançamento do Mapa Estratégico da gestão 2023/2026. Trata-se de um documento que visa orientar as ações e as estratégias do Poder Executivo, sendo que, no eixo Desenvolvimento Econômico Inovador tem a ação “promover a sustentabilidade ambiental, fomentando a transição energética e a adaptação às mudanças climáticas”. Porém não foi localizado nenhuma informação a respeito das ações a serem executadas.
Quando se trata do Plano Plurianual 2020-2023, pesquisei sobre o tema mudanças climáticas e não foi possível localizar nada referente ao assunto. Em relação às questões de adaptação às mudanças climáticas foram encontradas as ações referente ao “Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 2, que trata de acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável”. Avançando, foi possível verificar as ações climáticas relacionadas com o objetivo 13, que propõe a tomada de medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos. Sua primeira meta visa reforçar a “resiliência e a capacidade de adaptação a riscos relacionados ao clima e às catástrofes naturais, em virtude dos altos índices de mortes, em 2013, relacionados com os desastres climáticos”. O PPA menciona ainda a utilização do Sistema Integrado de Informações Sobre Desastre, de 2017.
Embora, tenha-se verificado a citação das ações a adaptação às mudanças climáticas, não foi possível evidenciar recursos aplicados às ações efetivas no PPA 2020-2023, ou seja, não houve nada de recursos destinados para a adaptação, muito menos a mitigação às mudanças climáticas como forma de planejamento, antecedendo possíveis eventos climáticos para o Estado. Estas informações, de certa forma, fazem pensar que o Estado do Rio Grande do Sul, em seu planejamento, não aplicou recursos às questões climáticas neste período que antecedeu os desastres climáticos severos de 2023 e 2024.
Ressalto, novamente: o que os mecanismos de governança corporativa pública têm a ver com as questões dos eventos climáticos ocorridos e com as tomadas de decisões? Tudo! Ampliando minha busca por informações, a Lei nº 15.934, de 1º de janeiro de 2023, “dispõe sobre a estrutura administrativa e diretrizes do Poder Executivo do Estado do Rio Grande do Sul e dá outras providências”, é o instrumento de base legal do Poder Executivo referente à pasta da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura, ou seja, rege um dos mecanismos de governança corporativa como já apresentado anteriormente.
O mecanismo de governança corporativa pública não apresenta nada relacionado com as questões de mitigação, adaptação ou mesmo vulnerabilidade das mudanças climáticas. Isto representa uma falha de governança corporativa pública, sendo que o instrumento de Legislação e Regulamentação refere-se às normas que estabelecem padrões mínimos de governança e responsabilidade para entidades públicas.
E quais seriam as soluções para melhorar a gestão de governança corporativa pública, identificadas as falhas no PPA, no planejamento estratégico ou mesmo nas diretrizes de leis e regulamentos para o Estado do Rio Grande do Sul? Aqui apresento algumas ações estratégias para solucionar as falhas na gestão de governança corporativa pública:
- Auditoria e avaliação independente: realizar auditoria externa para levantar as falhas ocasionadas e verificar quais os status dos indicadores voltados para os planos e políticas existentes. Isso pode incluir a revisão dos objetivos, metas, indicadores de desempenho e métodos de implementação.
- Consulta com especialistas: necessidade de engajar especialistas em mudanças climáticas, planejamento estratégico e gestão pública para fornecer insights e recomendações baseadas em evidências. Isso pode ajudar a realinhar os planos com as melhores práticas e dados científicos mais recentes.
- Fortalecimento da governança: melhorar as estruturas de governança existentes para garantir uma supervisão mais rigorosa e uma melhor coordenação entre os diferentes níveis de governo e agências responsáveis pela implementação das políticas climáticas.
- Planos de adaptação: desenvolver e implementar planos de adaptação que levem em consideração os impactos das mudanças climáticas já ocorrendo e futuras. Isso inclui infraestrutura resiliente, sistemas de alerta precoce e medidas de proteção ambiental.
- Gestão de riscos: integrar a gestão de riscos climáticos nos processos de planejamento e tomada de decisão para minimizar os impactos adversos e aumentar a resiliência das comunidades.
- Transparência e comunicação: aumentar a transparência na comunicação dos objetivos, metas e resultados das políticas climáticas. Isso pode incluir a criação de plataformas online para divulgação de dados e a promoção de diálogos abertos com a sociedade.
- Engajamento da sociedade civil: envolver ativamente a sociedade civil, ONGs, empresas e comunidades locais no processo de revisão e implementação das políticas. A participação pública pode fornecer perspectivas valiosas e aumentar a aceitação das políticas.
- Sistema de monitoramento: estabelecer um sistema robusto de monitoramento e avaliação para acompanhar continuamente o progresso das políticas climáticas. Isso permite ajustes rápidos e baseados em dados.
- Relatórios periódicos: publicar relatórios periódicos sobre o progresso das políticas climáticas, incluindo sucessos e desafios. Isso não só aumenta a transparência, mas também permite a identificação de áreas que necessitam de intervenção.
- Cooperação internacional: buscar cooperação e financiamento internacional para fortalecer as capacidades locais e implementar soluções eficazes. Muitas vezes, programas de assistência técnica e financeira podem ser obtidos através de organismos internacionais.
- Parcerias Público-Privadas: formar parcerias com o setor privado para mobilizar recursos e expertise adicionais. O setor privado pode desempenhar um papel crucial na inovação e na implementação de soluções sustentáveis.
- Educação e conscientização: implementar programas de educação e conscientização sobre a importância das mudanças climáticas e as ações necessárias para mitigá-las. Isso pode ajudar a mobilizar o apoio público e incentivar comportamentos sustentáveis.
O intuito deste artigo foi estabelecer uma correlação do evento climático ocorrido com os mecanismos de governança corporativa pública no Estado do Rio Grande do Sul, identificando as falhas e propondo algumas soluções.
A falha no planejamento estratégico e no PPA, bem como a inobservância dos aspectos legais e das políticas relacionadas às mudanças climáticas, pode ter sérias consequências, mas essas podem ser mitigadas através de uma abordagem multissetorial, que inclui avaliação rigorosa, governança melhorada, participação ativa da sociedade, ajustes estratégicos e cooperação ampla.
Uma das ações que estão em andamento é o Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud) uma iniciativa que reúne Estados das regiões Sul e Sudeste do Brasil com o objetivo de promover a integração e a cooperação entre essas unidades federativas em diversas áreas, entre elas, o do meio ambiente. Criado em 2019, o consórcio busca fortalecer o desenvolvimento regional através da articulação de políticas públicas conjuntas, troca de experiências e otimização de recursos. A chave é manter uma abordagem adaptativa e responsiva, baseada em dados e engajamento contínuo com todas as partes interessadas.
*Reginaldo Joaquim de Souza é mestre em governança e sustentabilidade, chefe de divisão em tecnologia e inovação na Secretaria de Desenvolvimento Sustentável