Já há algum tempo tenho refletido muito sobre o papel dos dados nas organizações. Inevitavelmente, a digitalização trouxe uma avalanche de informações e, junto com ela, a promessa de que os dados resolveriam tudo. Mas será mesmo?
Sempre defendi que transformar dados em sabedoria é muito mais do que um processo automático, técnico ou puramente analítico. Pelo contrário: a sabedoria exige escuta.
E quando falo em escuta, não estou falando apenas de ouvir as pessoas (embora isso também seja essencial). Falo da escuta que conecta propósito, contexto e impacto. Aquela que entende o porquê de medir, antes mesmo de decidir o quê medir. E que reconhece que, por trás de cada dashboard, existe uma realidade viva sendo afetada.
Dados precisam de contexto, e contexto exige escuta
Você sabia que um dado isolado é apenas uma fração da verdade? Ele só se transforma em algo útil quando compreendemos quem ele impacta, por que importa e como pode ser interpretado de forma ética e estratégica.
Certa vez, participei de um processo de avaliação de projetos em que, além da análise técnica, incluímos a Inteligência Artificial (IA) como apoio para ranquear os finalistas. Interessante observar que os algoritmos indicaram alguns nomes, mas os projetos que de fato venceram foram os que tiveram maior impacto humano percebido, algo que os “dados frios” não conseguiam captar por completo.
Essa experiência reforçou uma crença que carrego: a sabedoria vem da escuta qualificada, da experimentação e da capacidade de analisar o dado sob diferentes lentes, sejam elas técnicas, humanas ou culturais.
O paradoxo da informação
De acordo com um estudo do IDC, o volume global de dados deve ultrapassar 180 zettabytes até o final de 2025. Contudo, como alerta David Weinberger no livro Too Big to Know, mais informação não significa, necessariamente, mais conhecimento, e muito menos mais sabedoria.
Em muitos casos, o excesso de dados pode nos paralisar ou nos desviar daquilo que realmente importa. É por isso que defendo a criação de uma cultura analítica com senso crítico, que comece por três pilares:
- Mapear o que já temos: quais dados já estão disponíveis e quais deles realmente ajudam a tomar decisões melhores?
- Escutar com intenção: o que os diferentes públicos internos e externos valorizam? Quais dores estão sendo ignoradas?
- Traduzir para ação: como tornar os dados acessíveis, organizados e úteis para o dia a dia da operação e da estratégia?
Ferramentas ajudam, mas não substituem a sensibilidade…

Confesso a você que sou um entusiasta do uso da tecnologia. Todavia, nenhum sistema, por mais sofisticado que seja, substitui a capacidade humana de compreender nuances.
O documentário Coded Bias (Netflix) é uma boa indicação para quem quer refletir sobre isso. Embora trate com mais ênfase de justiça algorítmica, ela mostra com clareza os dilemas entre decisão automatizada e julgamento humano. E nos faz pensar: até que ponto podemos confiar apenas nos dados, sem escutar o contexto?
Sabedoria é rotina, não evento isolado
No meu entendimento, com base na experiência adquirida como professor e consultor de organizações, transformar dados em sabedoria é um processo contínuo. Não é algo que se faz uma vez e pronto. Logo, é preciso revisitar os indicadores, atualizar os critérios, criar espaços de análise e reflexão. Isso vale para a liderança, para a área de operações, para o time de vendas, para o marketing, etc.
Já vi empresas pequenas ganharem vantagem competitiva simplesmente por reunirem seus times uma vez por mês para discutir indicadores. A sabedoria não estava no gráfico, mas na conversa em torno dele.
Escutar para evoluir estrategicamente
Em resumo, penso que, mais do que análise, é a escuta (dos dados, das pessoas, do mercado) que nos permite evoluir de forma estratégica e inteligente. A escuta qualificada nos dá direção. Os dados, por sua vez, nos dão impulso. E é da combinação dos dois que nasce a sabedoria.
Se esse tema te provoca ou se você vive esse desafio no seu negócio, vamos conversar. Essa é uma jornada que pode (e deve) ser compartilhada.
Rafael de Tarso é palestrante, consultor e professor com mais de 20 anos de experiência em inovação, transformação digital e Indústria 4.0. Já impactou mais de 180 empresas e 6 mil alunos em cursos, workshops e mentorias em todo o Brasil. Atua como assessor na Defensoria Pública do Paraná, liderando iniciativas de inovação e transformação digital no judiciário. Cofundador de startups e programas de inovação, também é professor em MBAs da FGV, PUCPR e ISAE-FGV.


