O que estará na mesa em Belém e por que importa às cidades. Há três eixos com efeito direto no município: (i) aumento de ambição climática nas metas nacionais, (ii) mais financiamento (com trilhas para governos e consórcios) e (iii) reforço de adaptação e de Perdas e Danos.
A “marca Belém” (Amazônia, restauração, bioeconomia e justiça climática) puxa soluções baseadas na natureza aplicáveis ao perímetro urbano: parques de retenção, requalificação de fundos de vale, corredores verdes e manejo de áreas periurbanas.
A agenda oficial ainda destaca Cidades, Infraestrutura, Água, Resíduos, Economia Circular, Ciência, Tecnologia e IA. Uma janela para apresentar projetos, firmar parcerias e estruturar carteiras bancáveis de investimentos.
Por que agora? O ciclo pós-COP costuma abrir janelas de financiamento e parcerias. Ao mesmo tempo, nossos verões estão mais quentes e as chuvas mais intensas. Prefeitos(as), secretários(as) e vereadores(as) devem circular por Belém e voltar com “novidades”. Ótimo. A diferença entre manchete e entrega é ter um plano de 90 dias, metas objetivas e dossiês prontos. Este artigo segue por aí.
a) Cinco traduções imediatas da COP30 para agendas municipais
- Adaptação urbana contra calor e alagamentos
- Calor: corredores de sombra nas rotas escola–UBS, arborização priorizada por bairro, telhados frios/verdes em escolas e UPAs e metas de redução de temperatura de superfície.
- Chuvas: microdrenagem, parques de retenção e soluções baseadas na natureza em fundos de vale; manutenção preditiva da drenagem.
- Alerta e resposta: Defesa Civil + Saúde + Assistência com protocolo único e comunicação simples (SMS/WhatsApp/rádio).
- Calor: corredores de sombra nas rotas escola–UBS, arborização priorizada por bairro, telhados frios/verdes em escolas e UPAs e metas de redução de temperatura de superfície.
- Resíduos, metano e economia circular (com emprego local)
- Contratos com metas climáticas: % de desvio de aterro, tCH₄ evitado/ano, qualidade da triagem e rastreio digital por bairro.
- Consórcios intermunicipais para biodigestão e compostagem (escala reduz OPEX e viabiliza retorno econômico).
- Compras públicas circulares: incluir material reciclado/composto em obras e manutenção de praças — fechando o ciclo na própria cidade.
- Emprego verde: metas de formalização e qualificação de catadores/cooperativas atreladas ao contrato.
- Contratos com metas climáticas: % de desvio de aterro, tCH₄ evitado/ano, qualidade da triagem e rastreio digital por bairro.
- Mobilidade e edifícios eficientes + descarbonização por concessões
- Ônibus elétricos nas linhas troncais e frota pública elétrica (administrativa, escolar, saúde, fiscalização).
- Concessões com metas de emissões por km, cronograma de transição (diesel → zero emissão), disponibilidade mínima da frota e infra de recarga contratualizada (pátios/terminais) com interoperabilidade.
- Retrofit energético de prédios públicos com medição e verificação (M&V); PPAs/geração distribuída para reduzir OPEX e abastecer garagens/terminais.
- Por que agora? O CAPEX ainda é maior, mas o TCO cai com energia mais barata, manutenção reduzida e conforto (ruído/vibração). A COP tende a abrir funding; amarrar metas na concessão dá previsibilidade regulatória.
- Ônibus elétricos nas linhas troncais e frota pública elétrica (administrativa, escolar, saúde, fiscalização).
- Dados & IA para governar melhor (com LGPD na veia)
- Usar dados municipais para mapear ilhas de calor, priorizar drenagem, otimizar rotas de coleta e racionalizar visitas da saúde da família.
- IA somente com catálogo de dados, trilha de auditoria, gestão de consentimento e identidade digital do cidadão.
- Transparência que engaja:
• Painel cidadão por bairro (calor, alagamento, coleta, árvores), com meta e andamento.
• Explicabilidade simples (“por que este ponto subiu na fila?”).
• Comitê de dados (TI, Obras, Saúde, Assistência, Controle Interno e sociedade civil) com atas públicas bimestrais.
- Usar dados municipais para mapear ilhas de calor, priorizar drenagem, otimizar rotas de coleta e racionalizar visitas da saúde da família.
- Projetos bancáveis e financiamento
- Para cada iniciativa, preparar dossiê: problema, solução, CAPEX/OPEX, benefício climático (tCO₂e evitadas, m³ retidos, °C reduzidos), co-benefícios sociais (saúde, renda), governança e plano de O&M.
- Isso encurta a conversa com bancos de desenvolvimento e fundos que se movem após a COP.
- Para cada iniciativa, preparar dossiê: problema, solução, CAPEX/OPEX, benefício climático (tCO₂e evitadas, m³ retidos, °C reduzidos), co-benefícios sociais (saúde, renda), governança e plano de O&M.
b) Checklist COP30 → prefeitura (90 dias para entrar no jogo)
Fase 1 — 4 a 6 semanas (Preparação)
- Instituir um Escritório de. Projetos do Clima (governança multinível) com entregas por secretaria, indicadores e prestação de contas mensal.
- Rodar um diagnóstico relâmpago: drenagem e pontos críticos, sombreamento e ilhas de calor, resíduos/metano, eficiência de prédios, estado da frota e viabilidade de eletrificação (perfil de rotas, garagens e rede elétrica).
- Definir 3 vitórias rápidas (uma por eixo: adaptação, resíduos, eficiência/mobilidade).
- Abrir RFI ao mercado/consórcios: drenagem verde, compostagem/biodigestão, retrofit, ônibus elétricos e recarga (depot e oportunidade), pedindo TCO (Custo Total de Propriedade), prazos e garantias.
- Preparar minutas-tipo de contratos por desempenho (metas climáticas/operacionais, auditoria de dados, portabilidade).
Fase 2 — 6 a 8 semanas (Prova de realidade)
- Publicar painel público com metas por bairro e cronograma.
- Iniciar pilotos com dados reais e métricas de resultado:
– °C reduzidos em rotas de sombra;
– % de alagamentos mitigados por microintervenções;
– tCO₂e evitadas em resíduos;
– custo/km e emissões/km em linha-piloto elétrica. - Fechar dossiês de financiamento (engenharia, análises econômicas, matriz de risco, governança).
- Inserir em concessões/contratos: cronograma vinculante de transição de frota, telemetria aberta, interoperabilidade de carregadores, TCO como critério e garantias de performance.
Como tratar as “novidades” trazidas de Belém? Afinal, manchete não substitui entrega.
Paraná: cinco alavancas com efeito rápido (copiáveis pelo Brasil)
- Bacias críticas & ilhas de calor (RMC, Norte e Oeste)
Parques de retenção, requalificação de fundos de vale e sombreamento de rotas sensíveis (escola–UBS–terminais), com metas de pico de cheia e redução térmica por bairro. - Consórcios de resíduos
Biodigestão/compostagem intermunicipal e contratos com metas de metano evitado e desvio de aterro, incluindo telemetria e pagamento por desempenho. - Corredores elétricos regionais
Integração Curitiba–Londrina–Maringá–Cascavel–Foz com linhas troncais elétricas, pátios/terminais com infra de recarga e PPAs municipais ou consorciados para reduzir OPEX. - Bioeconomia com selo municipal
Merenda escolar com % mínimo de produtos da sociobiodiversidade e agricultura familiar; viveiros municipais para restauração de APP urbanas; catálogo de fornecedores locais com rastreabilidade simples para acessar compras públicas. - Frota pública elétrica integrada
Substituição gradual de veículos administrativos, escolares, de saúde e fiscalização; telemetria unificada (custo/km, emissões, disponibilidade, uso) e padrões de recarga compartilhados entre secretarias e, quando couber, entre municípios vizinhos.
Compras públicas “à prova de COP”
- Objeto por resultado (ex.: % de redução de alagamentos/temperatura/tempo de resposta/emissões por km), não por tecnologia isolada.
- Pilotos com dados reais antes da escala; métricas e auditoria abertas.
- Portabilidade de dados, logs e modelos; interoperabilidade para evitar lock-in de carregadores e sistemas.
- TCO como critério em mobilidade elétrica e retrofit; garantias de performance, matriz de riscos e plano de O&M.
- Dossiês prontos (jurídico, engenharia, financeiro, governança) para não perder a janela de financiamento.
Rotas usuais de funding (PR)
– BRDE (eficiência, mobilidade limpa, resíduos) · Fomento Paraná (infra urbana, energia) · Multilaterais via Estado/consórcios (adaptação, saneamento, mobilidade) · PPPs/Concessões com componente climático (emissões/km, eficiência, metano evitado).
3 vitórias em 120 dias. É possível!
- Rota Sombra: 2 km com 100% de arborização + telhados frios em equipamentos do trajeto.
- Parque de Retenção: 1 bacia crítica com microdrenagem + jardim de chuva + monitoramento.
- Linha-Piloto Elétrica: 1 eixo com telemetria aberta e metas de emissões/km e pontualidade.
Para você que é empreendedor(a) e startup sustentável/GovTech
- Leia o Checklist de 90 dias como backlog de produto e prepare PDRs (Problem–Design–Result) com métrica climática/econômica.
- Traga prova de campo (piloto com dados reais) e TCO transparente.
- Considere consórcios de oferta: hardware (sensoriamento), software (painéis/IA) e operação (engenharia/obra) num pacote com pagamento por desempenho.
Para fechar: o que cada parte pode fazer agora
Para você que é cidadão…
- Observe, registre e cobre: alagou? falta sombra? marque no mapa do bairro e leve ao conselho municipal e à ouvidoria.
- Pergunte por metas: quando a prefeitura anunciar “plano climático”, cobre metas por bairro, prazos, orçamento e medição pública.
- Aja no cotidiano: separar resíduos, usar transporte coletivo quando viável, plantar/cuidar da árvore da calçada e participar de audiências.
Para você que é liderança municipal…
- Aplique o Checklist de 90 dias e nomeie responsáveis com prazos por secretaria.
- Trate as “novidades” da COP como backlog: pilote, meça, comunique e só então escale.
- Coloque os ônibus elétricos no centro das concessões: metas de emissões/km, transição de frota, recarga interoperável e TCO como critério.
- Comunique com transparência: painel público de obras, custos e resultados. Reputação e clareza ajudam a captar recursos.
- Escolha 2–3 vitórias rápidas: um corredor de sombra, um parque de retenção e uma linha-piloto elétrica já mudam percepção e resultado.
Belém é o palco.
O espetáculo, para o bem ou para o mal, acontece nos bairros.
Com checklist, dossiês e contratos por desempenho, as “novidades” viram entregas. Sem isso, viram só stories.
Gustavo Comeli é palestrante e consultor com mais de 20 anos de experiência atuando com estratégia, liderança e inovação. www.linkedin.com/in/luiz-gustavo-comeli/


