Quando comecei a empreender, meu maior medo era cobrar muito caro. Colocava meu preço, meio pedindo desculpas. Aí conversando com um consultor do mesmo ramo, fazendo benchmarking, o meu susto: ele cobrava 3 vezes mais.
E sabe qual foi minha primeira reação? “Ele deve ser muito melhor que eu para cobrar isso.” Como se automaticamente eu não merecesse cobrar o mesmo valor, mesmo tendo qualificações similares. Demorei meses para questionar: por que minha primeira reação foi me diminuir, não me valorizar? E quando comecei a conversar com outras empreendedoras, descobri algo assustador: todas nós fazíamos isso.
Dados recentes mostram que mulheres empreendedoras precificam seus serviços consistentemente abaixo do valor de mercado, mesmo quando possuem qualificações superiores aos concorrentes masculinos. E antes que você pense que é coincidência ou falta de conhecimento técnico, deixe eu te contar: tem uma engrenagem psicológica e social operando aqui que vai muito além da planilha de custos.
A pergunta não é se isso acontece. A pergunta é: por que continuamos permitindo que isso aconteça conosco?
A psicologia por trás do preço baixo
A ciência tem respostas claras para esse fenômeno. Uma meta-análise com mais de 17.000 participantes confirmou que mulheres têm menor probabilidade de iniciar negociações comparado aos homens – um padrão que se mantém tanto entre estudantes quanto profissionais.
Crescemos ouvindo que mulher “não deve ser gananciosa”, que “humildade é virtude” e que “cobrar caro é falta de empatia”. Enquanto meninos aprendem a negociar desde cedo trocando cartas de pokémon, meninas aprendem que “dividir é cuidar”.
Pesquisas mostram que desde os primeiros anos de vida, meninas são recompensadas por comportamentos colaborativos e penalizadas por assertividade. Essa programação se estende até a vida adulta, criando um padrão onde mulheres associam “pedir mais dinheiro” com “ser má pessoa”.
Isso se reflete na vida adulta de formas devastadoras. A economista comportamental Linda Babcock descobriu por meio de pesquisas longitudinais que mulheres pedem aumento 4 vezes menos que homens. E, quando pedem, solicitam valores 30% menores que homens na mesma situação. Isso não é déficit de competência. É programação social.
O mito da “cliente satisfeita”
Quantas vezes você já ouviu (ou disse): “Prefiro cobrar menos e ter cliente satisfeita”? Essa frase esconde uma armadilha psicológica perigosa.
Pesquisas da área de Customer Experience mostram que clientes que pagam preços muito baixos tendem a desvalorizar o serviço recebido, independente da qualidade. É o famoso “se é barato, não deve ser bom”.
Mais cruel ainda: estudos revelam que empresas que precificam sistematicamente abaixo do mercado têm maior probabilidade de falir nos primeiros anos. Não por incompetência, mas por descapitalização.
Como parar de se sabotar financeiramente
A boa notícia é que isso pode ser mudado. E não, não é só “pensar positivo”. É estratégia baseada em evidência.
Primeiro passo: Pesquise, não suponha. Faça uma pesquisa real de mercado. Ligue para concorrentes, peça orçamentos, use ferramentas online. Sua intuição sobre preços foi programada para ser baixa, então não confie nela.
Segundo: Calcule seu custo real. Some todas as suas despesas diretas e indiretas, inclua seu salário (sim, você tem direito a salário) e margem de lucro. Dados do Sebrae mostram que a maioria das empreendedoras não inclui sua própria remuneração no preço final.
Terceiro: Teste a técnica do “âncora alta”. Sempre apresente primeiro seu preço mais alto, depois negocie para baixo se necessário. Pesquisas de negociação mostram que quem fala o primeiro número influencia toda a negociação – use isso a seu favor.
Quarto: Documente seu valor. Crie um portfólio detalhado dos seus resultados, certificações, cases de sucesso. Mulheres tendem a ser mais questionadas sobre suas competências, então tenha provas na ponta da língua.
Conheço empreendedoras que após ajustarem seus preços para valores justos, não apenas aumentaram o faturamento, mas conquistaram clientes que as respeitavam mais, faziam menos objeções e pagavam em dia. Quando você cobra o que vale, o mercado te leva mais a sério.
Mas essa mudança não é só individual. É sistêmica.
A revolução silenciosa dos preços justos
Cada vez que uma mulher cobra o que vale, ela não está apenas melhorando sua vida financeira. Está quebrando um padrão cultural que nos mantém em posição de desvantagem econômica há séculos. Seus preços não são só números: são uma afirmação de que seu trabalho tem valor e seu tempo importa.
Então, que preço você vai corrigir hoje? Valorizar financeiramente seu trabalho não é ganância. É uma revolução silenciosa que começa no seu orçamento.
Roberta da Trindade é fundadora da Habla FM e E-foco Soluções Comerciais | Criadora do Habla Empreendedora (TV, Rádio, Podcast, portais e Comunidade) | Especialista em Gestão Comercial e Pessoas | Voz do Empreendedorismo Feminino. www.linkedin.com/in/robertadatrindade/
Referências:
BABCOCK, Linda; GELFAND, Michele; SMALL, Deborah; STAYN, Heidi. Gender differences in the propensity to initiate negotiations. Social Psychology and Economics, 2006.
KUGLER, Katharina G.; REIF, Julia A.M.; KASCHNER, Tobias; BRODBECK, Felix C. Gender differences in the initiation of negotiations: A meta-analysis. Psychological Bulletin, v. 144, n. 2, p. 198-222, 2018.
PEW RESEARCH CENTER. Gender pay gap in US has narrowed slightly over 2 decades. Março, 2025.
RICHARDSON, Julia; DARITY JR., William A. Gender differences in the pricing of professional services: Implications for income and customer relationships. Organizational Behavior and Human Decision Processes, v. 107, n. 1, p. 1-16, 2009.


