Os municípios brasileiros estão diante de uma pergunta inevitável: estão realmente preparados para se transformar?
A cada ano cresce a pressão por serviços públicos mais ágeis, digitais e centrados no cidadão — mas quantas prefeituras possuem um plano estruturado de modernização? Quantas têm projetos priorizados, recursos definidos e governança ativa para revisar e digitalizar sua carta de serviços à população?
A verdade é que a maioria ainda opera com processos analógicos, sistemas fragmentados e baixa integração entre áreas. Nesse cenário, as GovTechs — startups que desenvolvem tecnologia para resolver problemas públicos — surgem como um caminho concreto de modernização, eficiência e transparência.
Mas afinal, você sabe o que é uma GovTech? E como sua cidade pode aproveitar esse movimento?
Nos últimos anos, o Brasil saiu do discurso e passou a testar e contratar soluções GovTech, abrindo espaço para uma nova geração de serviços públicos digitais, inteligentes e próximos da população. Levantamentos nacionais já apontam centenas de empresas atuando em áreas como gestão, educação, saúde e mobilidade.
O recado para as cidades é direto: quem se preparar juridicamente e operacionalmente vai conseguir testar, escalar e comprar inovação com segurança — reduzindo risco e tempo entre o problema e o serviço funcionando para o cidadão.
O que é GovTech — e por que importa para a cidade
GovTech é tecnologia feita para o setor público: atendimento ao cidadão, arrecadação, saúde, mobilidade, educação, segurança.
A novidade não é só a ferramenta, mas a forma de contratar e medir valor: pilotos com metas claras, contratos por desempenho e resultados mensuráveis.
O arcabouço que “destravou” o jogo
Três pilares viabilizam a compra pública de inovação:
- Marco Legal das Startups (CPSI) — cria o Contrato Público para Solução Inovadora, permitindo testes em ambiente real, remuneração durante o piloto e posterior contratação se as metas forem atingidas;
- Lei 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações) — moderniza critérios e modalidades (como o Diálogo Competitivo, que permite co-criar soluções com fornecedores);
- Lei 14.129/2021 (Governo Digital) — orienta serviços digitais, interoperabilidade e experiência do usuário.
Em síntese: hoje dá para provar e comprar inovação com segurança jurídica, medindo valor desde o primeiro dia.
O que as GovTechs estão entregando (e onde aperfeiçoar)
- Casos com bons resultados: canais 156 com inteligência artificial na triagem de demandas; bairros-laboratório (living labs) para testar iluminação, mobilidade e sensores; conexões com aceleradoras aproximando desafios públicos e fornecedores;
- Quando o piloto “bate na trave”: instabilidades em picos de acesso, falhas de integração ou ausência de contingência. As lições são conhecidas: SLAs (Acordos de Nível de Serviço, em português), testes de estresse, comunicação e contratos com incentivos bem definidos.
Sandbox municipal: o “terreno de obras” onde a cidade aprende rápido
O sandbox é um ambiente controlado e temporário para testar soluções em escala real, com métricas e salvaguardas jurídicas, técnicas e de dados. Pode ser:
- Regulatório: regras específicas e prazos de teste para inovação que esbarra em normativas locais (ex.: drones, micromobilidade);
- Urbano ou living lab: territórios de teste (bairro, corredor, campus) com infraestrutura e usuários reais;
- De dados: acesso governado e seguro a bases públicas para P&D, respeitando a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Publique um decreto do sandbox com escopo, prazos, governança e plano de saída (escala via Contrato Público para Solução Inovadora – CPSI – ou descontinuidade). Conecte segurança e privacidade desde o desenho do piloto.
Como os municípios do Paraná podem se preparar (de verdade) para tirar proveito
Para tirar proveito do ciclo GovTech, os municípios precisam organizar a base institucional: aprovar uma Lei Municipal de Inovação que institua Conselho e Fundo de Inovação; publicar norma local do CPSI (decreto ou instrução) definindo papéis, fluxo de ETP e DOD (documentos de planejamento da contratação), critérios de desempenho no Termo de Referência, comitê técnico e governança de dados aderente à LGPD.
Em paralelo, é essencial consolidar a agenda de Governo Digital, com jornada do usuário, catálogo de APIs e política de segurança da informação.
Depois, instituir um sandbox com prazos, métricas e plano de saída para escala via CPSI ou contratação pela Lei 14.133/2021.
Os editais devem nascer com KPIs (indicadores de resultado), SLAs, plano de contingência e painel público de resultados para transparência.
Mantenha um backlog trimestral de desafios prioritários e conecte-se a hubs de GovTech do Estado para curadoria e coinovação — encurtando o caminho entre problema público e serviço entregue.
Governança municipal de inovação: planejar, priorizar e durar além do mandato
Para a agenda GovTech sair do papel e sobreviver às trocas de gestão, a cidade precisa de governança de inovação com papel claro, ritos estáveis e diversidade de atores.
O conselho municipal de inovação deve ser o órgão que conecta estratégia, orçamento e execução — alinhando Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA) — e que transforma problemas públicos em um pipeline contínuo de desafios priorizados, pilotos (sandbox/CPSI) e contratações por desempenho.
O conselho aprova um Plano Municipal de Inovação com metas e indicadores e mantém um backlog de desafios de alto impacto.
As decisões usam critérios objetivos: usuários afetados, custo/benefício, viabilidade e prazo.
Diversidade importa: inclua gestoras e gestores públicos, áreas técnicas, universidades, setor produtivo e sociedade civil, garantindo pluralidade de gênero, raça e território.
Para garantir continuidade, a lei deve prever mandatos escalonados, reuniões regulares, fundo com vinculação orçamentária mínima e relatórios públicos anuais.
Assim, inovação vira política de Estado, não ação de governo.
Checklist 90 dias — cidade GovTech-ready
| Semanas | Ação / Etapa | Entregáveis-chave |
| 1–2 | Governança intersecretarial (Administração, Fazenda, TI, Jurídico, Controladoria) | Portaria do GTAgenda quinzenalResponsáveis definidos |
| 3–4 | Base legal local (minuta da Lei de Inovação com Conselho e Fundo) | Minuta de LeiComposição do ConselhoFontes e regras do Fundo |
| 5–6 | Fluxo do CPSI (Contrato Público p/ Solução Inovadora) | Modelos de ETP/DODTR por desempenho Comissão técnica |
| 7–8 | Decreto de Sandbox (regulatório/urbano/de dados) | Escopo e métricasRegras de LGPD/segurançaÁreas de teste |
| 9–10 | Backlog de desafios (3 problemas de alto impacto) | Problemas priorizadosLinha de base de dadosKPIs definidos |
| 11–12 | Chamada pública (CPSI) + articulação com Hub GovTech PR | Edital publicadoCronograma do pilotoComitê de acompanhamento |
| 13 | Operação e escala | SLAs e contingência – Painel de resultados- Plano de contratação (Lei 14.133) |
O Hub de GovTechs do Paraná
O Paraná está implantando um Hub de GovTechs, gerido pelo Parque Tecnológico de São José dos Campos, com investimento de R$ 15 milhões em três anos.
A proposta é conectar desafios públicos a soluções de startups, rodar testes via CPSI e escalar o que comprovar valor.
Para as prefeituras, é a pista de decolagem: chegue com lei, conselho, fundo e CPSI prontos, leve 3–5 desafios com linha de base e participe das chamadas do Hub.
E uma provocação final: se você é líder público, leve seu maior gargalo para a mesa do Hub. Se você é empreendedora ou empreendedor GovTech, traga uma solução que mostre valor em 90 dias. O Paraná já ligou a chave — agora é execução com impacto real.
Gustavo Comeli é palestrante e consultor com mais de 20 anos de experiência atuando com estratégia, liderança e inovação. www.linkedin.com/in/luiz-gustavo-comeli/


