Uma pesquisa feita no Departamento de Química da Universidade Federal do Paraná (UFPR) desenvolveu uma alternativa de íon-sódio para baterias. Atualmente, a maioria delas é feita a base de lítio, um metal que, embora tenha alta eficiência, traz uma série de riscos ambientais e de segurança.
A iniciativa teve início durante mestrado, doutorado e projeto de pós-doutorado da pesquisadora Maria Karolina Ramos. Ela é aluna do Grupo de Química de Materiais (GQM), sob coordenação do professor Aldo José Gorgatti Zarbin, que estuda o tema há 28 anos.
Na pesquisa, foi desenvolvido um protótipo de bateria funcional a base do sódio encontrado no sal de cozinha, que reúne, simultaneamente e de forma inédita para o setor, três características: ser flexível, transparente e funcionar em meio aquoso, eliminando riscos de explosões.
Essas características possibilitam uma série de aplicações inovadoras das baterias, desde eletrônicos vestíveis até janelas inteligentes.
O estudo de Maria Karolina Ramos foi recentemente capa da revista Sustainable Energy & Fuels, da Royal Society of Chemistry. A pesquisa ainda rendeu uma premiação ao professor no Prêmio Paranaense de Ciência e Tecnologia, iniciativa do Governo do Paraná que reconhece profissionais que contribuem para a produção científica e tecnológica do Estado.
A motivação para o desenvolvimento da bateria, além de suas diferentes aplicações, também foi pensando na descarbonização da matriz energética, em uma busca por fontes de energia renováveis.
Nanoarquitetura abre caminho para baterias de sódio
O lítio é um metal leve, com grande capacidade de armazenamento de energia, encontrado principalmente em lagos salgados ou em pegmatitos, que são rochas ígneas que contêm cristais e minerais ricos em elementos raros.
De acordo com o Serviço Geológico do Brasil (SGB), Chile, Austrália, Argentina e China detêm juntos cerca de 95% das reservas de lítio atualmente conhecidas no mundo. No Brasil, o metal é encontrado em depósitos de pegmatitos, especialmente nas áreas do Médio Jequitinhonha, em Minas Gerais, e da Província Pegmatítica da Borborema, na região Nordeste.
Além de provocar atritos geopolíticos, a mineração do lítio tem alto impacto ambiental, decorrente do uso intensivo de água e da ameaça de contaminação por metais pesados. Ao contrário do lítio, o sódio é mais abundante, barato e distribuído por todo o planeta. Sua obtenção é considerada de menor impacto ambiental — especialmente quando extraído do mar, como ocorre com o sal de cozinha.
Mas apenas substituir um elemento por outro não é uma tarefa simples. O desafio é encontrar materiais capazes de armazenar e liberar íons de sódio com a mesma eficiência do lítio, pois as diferenças de tamanho e química entre os elementos exige novos componentes para os polos da bateria.
Para isso, o laboratório coordenado por Zarbin utilizou a técnica de nanoarquitetura para chegar em uma combinação de três materiais diferentes, em escala nanométrica, que pode ser usada como eletrodo na bateria de íon-sódio.
As possibilidades das baterias íon-sódio
A composição da bateria alternativa permitiu que os pesquisadores fabricassem uma bateria com uma série de características combinadas que, até então, eram inéditas.
Uma dessas propriedades é a flexibilidade, um atributo para baterias considerado uma das tecnologias mais emergentes e importantes na atualidade e que pode ter uma série de aplicações. Leves e maleáveis, as baterias de íon-sódio podem se curvar e dobrar sem perder a funcionalidade, mas vão além: elas representam a remoção de uma restrição tecnológica que limita o design de novos dispositivos. Atualmente, mesmo em dispositivos dobráveis (como certos smartphones), a bateria permanece como um componente rígido e volumoso.
Entre as diversas aplicações, uma bateria flexível pode ser utilizada em eletrônicos vestíveis na área da saúde, como medidores de glicose ou de batimentos cardíacos. A caracteríscia também pode ser um atrativo para eletrônicos enroláveis ou papéis eletrônicos, tecnologia vista em dispositivos como leitores digitais (o Kindle, por exemplo).
Outro atributo viabilizado pelas novas baterias de íon-sódio é a transparência, que foi possível pela tecnologia de filmes finos utilizada para arranjar os componentes: o material é tão fino que a luz visível o atravessa.
Essa característica é fundamental para acoplar a bateria a sistemas que exigem passagem de luz, como células solares (componentes dos painéis solares, por exemplo) e janelas inteligentes, que ajustam automaticamente a entrada de luz e calor em ambientes internos.
Por fim, o pesquisa também conseguiu encontrar uma bateria de íons de sódio que, além de ser flexível e transparente, também funciona em meio aquoso. Isso melhora um fator fundamental: a segurança.
Apesar de serem eventos raros, as baterias de íon-lítio estão sujeitas a riscos de explosões e incêndios, que podem ser causadas por danos físicos, superaquecimento e envelhecimento. Isso porque o eletrólito das baterias de lítio é composto por um material inflamável e tóxico.
Ao substituir esses materiais por água, elimina-se o risco de inflamabilidade. Assim, baterias aquosas oferecem alta tolerância o contra manuseio incorreto, tornando-se mais segura em relação a potenciais curtos-circuitos que levem a explosões.
Patente é primeiro passo para que produto chegue ao mercado
Além da publicação do artigo na Sustainable Energy & Fuels, os pesquisadores do Grupo de Química de Materiais da UFPR solicitaram uma patente para a bateria de íon-sódio flexível, transparente e aquosa. São os primeiros passos visando uma futura chegada ao mercado.
“Daqui para frente, vamos fazer com que aumente a capacidade, que saia da escala de laboratório”, diz Zarbin. “Agora há toda uma parte de engenharia, protótipos, otimização e construção, de como juntar cada uma dessas etapas para fazer uma performance melhor”, completa.
Segundo Maria Karolina Ramos, após o desenvolvimento de um protótipo maior, os pesquisadores terão um desafio mais ambicioso: integrar, em um único dispositivo acoplado, a geração e o armazenamento de energia.
“A ideia é que a luz solar seja captada por uma célula fotovoltaica, convertida em eletricidade, e essa energia já seja armazenada diretamente na bateria conectada ao sistema”, explica a pesquisadora.
“Assim, o mesmo dispositivo faria as duas funções ao mesmo tempo. Essa integração traz várias vantagens, como economia de espaço, redução de peso e diminuição das perdas de energia que normalmente ocorrem quando ela precisa ser transferida entre equipamentos diferentes. Em resumo, é uma proposta simples no conceito, mas extremamente poderosa, e desafiadora, na prática”, completa ela.
Com informações da UFPR


