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O valor invisível do cuidado: a economia que ninguém conta (mas que sustenta o mundo)

Foto: Rawpixel.com/Freepik

Roberta da Trindade

Você já parou para pensar quanto vale o trabalho de quem cuida sem remuneração? Não estou falando de “valorizar” no sentido emocional, naquela conversa morna de Dia das Mães. Estou falando de dinheiro mesmo. De quanto isso movimenta, de quanto isso sustenta, de quanto isso importa para a economia global.

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A Oxfam fez as contas: US$ 10,8 trilhões por ano. Três vezes o tamanho da indústria global de tecnologia. E sabe onde esse número aparece? Em lugar nenhum. Não está no PIB, não está nos relatórios do FMI, não movimenta a bolsa de valores.

É uma economia fantasma. E ela tem rosto de mulher.

A conta que ninguém quer fazer

Como chegaram a esse número astronômico? Simples: pegaram todo o trabalho não remunerado de cuidado — cuidar de filhos, idosos, pessoas com deficiência, administrar a casa, organizar a vida de todo mundo — e calcularam quanto isso valeria se fosse pago ao menos o salário mínimo.

Mesmo sendo conservadores na conta, o resultado é brutal: existe uma força produtiva monumental operando completamente fora do radar do capitalismo. E durante décadas, ninguém quis falar sobre isso. Porque reconhecer que o cuidado é trabalho significaria ter que pagar por ele. Significaria ter que valorizar quem faz. Significaria mexer numa estrutura que funciona muito bem para alguns — justamente porque não funciona para outras.

A pandemia escancarou uma verdade incômoda: sem cuidado, nada funciona. Enquanto o mundo inteiro parou, alguém precisava continuar alimentando, limpando, educando, acalentando. E esse alguém, como sempre, estava em casa. Invisível nos relatórios, mas essencial para a sobrevivência.

O que antes era romantizado como “amor de mãe” ou naturalizado como “obrigação de mulher” finalmente começa a ser chamado pelo que sempre foi: trabalho. E mais que isso: economia.

O paradoxo que ninguém te conta

A entrada massiva das mulheres no mercado de trabalho foi vendida como emancipação. E foi, sim. Mas trouxe junto um paradoxo cruel que ninguém gosta de admitir: quem cuida de quem cuida?

Porque o cuidado não desapareceu quando as mulheres saíram de casa. Ele só mudou de mãos. Famílias menores, todo mundo trabalhando fora, idosos vivendo mais tempo, crianças pequenas precisando de atenção — e aí? Quem resolve?

A resposta foi terceirizar. O que antes era “espontâneo” (leia-se: gratuito e invisível) virou serviço. Surgiu um mercado inteiro de trabalhadoras do cuidado: babás, cuidadoras, diaristas, profissionais de limpeza.

No Brasil, esse mercado é gigante. E ao mesmo tempo, é um dos mais precarizados, informais e desvalorizados. O cuidado virou mercadoria, mas continuou sem o respeito que merece. Continuou sendo tratado como trabalho de “segunda categoria”, como se qualquer pessoa pudesse fazer, como se não exigisse competência, paciência, responsabilidade.

Então a pergunta não é só “quem cuida de quem cuida?”. A pergunta é: por que continuamos tratando o cuidado como se não fosse trabalho de verdade?

Quando o cuidado se organiza (e incomoda)

Mas tem gente quebrando esse padrão. E não é pouca gente não.

Em várias cidades brasileiras, cooperativas de trabalhadoras do cuidado estão se organizando. Estruturando contratos formais, oferecendo cursos, criando fundos solidários. Estão dizendo: nosso trabalho tem valor, e vamos cobrar por ele. Vamos nos proteger. Vamos nos fortalecer.

Em Curitiba, o Espaço Mamma, fundado pela enfermeira Anna Karolina Ribeiro, transformou o serviço de babás em profissão estruturada. As profissionais passam por seleção, treinamento, acompanhamento técnico. Não é “aquela moça que vem cuidar das crianças”. É uma profissional qualificada fazendo um trabalho que exige expertise. E sendo reconhecida por isso.

Também em Curitiba, o Donas de Casa, criado por Juliana Leck, vai além de conectar profissionais de limpeza com famílias. Com o podcast O Desabafo da Diarista, Juliana dá voz a quem sempre foi silenciada. As diaristas contam suas histórias, suas dores, suas conquistas. E isso muda tudo. Porque quando você ouve a história de quem limpa sua casa, fica mais difícil tratá-la como invisível.

Em São Paulo e Belo Horizonte, mulheres de comunidades periféricas criaram sistemas colaborativos de cuidado infantil — as Casas de Cuidado e o Projeto Mães do Morro. Funcionam como microempreendimentos sociais, onde o tempo de cuidado é trocado, remunerado ou compartilhado. É economia solidária, mas é economia. É sobrevivência, mas é também resistência.

Lá fora, tem experiências ainda mais ousadas. Na Espanha e no Reino Unido, existem bancos de tempo onde o cuidado vira moeda: você cuida de alguém por uma hora, ganha um crédito que pode trocar por outro serviço. Parece utopia? Já funciona em Madrid e Bristol. E transforma completamente a lógica do que entendemos por “valor”.

No Canadá, o programa Care Economy 2.0 conecta políticas públicas com startups focadas em soluções de cuidado. É inovação aplicada ao que realmente importa: sustentar vidas.

Essas iniciativas provam uma coisa: o cuidado não é só gesto emocional. É um sistema produtivo. E pode ser redesenhado.

O político é doméstico (e sempre foi)

Reconhecer o cuidado como economia não é questão técnica. É político. É mexer na estrutura. É dizer que a forma como medimos “progresso” e “desenvolvimento” está errada desde o começo.

Durante séculos, a economia foi medida pela capacidade de produzir bens, acumular capital, expandir mercados. O cuidado ficou de fora porque não gera lucro direto, não é escalável, não entra na lógica do “crescimento infinito”. Mas a pandemia deixou claro: nenhuma economia resiste sem cuidado.

Não adianta ter PIB alto se ninguém cuida das crianças. Não adianta ter indústria forte se ninguém cuida dos idosos. Não adianta ter tecnologia de ponta se ninguém limpa, alimenta, organiza a vida.

O desafio agora é político e cultural: reconhecer que cuidar é estratégico. Que é infraestrutura. Que é tão essencial quanto estradas, energia elétrica, saneamento básico.

Isso significa políticas públicas de verdade: creches universais, licenças parentais remuneradas (para todos os gêneros), valorização salarial de profissionais do cuidado, reconhecimento formal do trabalho doméstico. Mas também significa mudar a mentalidade: o cuidado não é responsabilidade só de mulheres. Não é questão privada. É coletiva.

A revolução começa no gesto de cuidar

O cuidado está, enfim, ocupando o lugar que sempre sustentou silenciosamente: o centro da vida.

Não mais nas margens. Não mais invisível. Não mais de graça.

Esse movimento ainda é pequeno, mas já aponta para um futuro possível. Uma economia que não mede sucesso só pela produção de coisas, mas pela capacidade de sustentar vidas dignas. Uma economia que entende que o produtivo e o reprodutivo não são mundos separados, um não existe sem o outro.

Então me diga: quando foi a última vez que você parou pra pensar em quem cuida de você? E mais importante: como você pode fazer parte dessa mudança?

Talvez a revolução mais necessária não seja tecnológica ou financeira. Talvez seja humana. E ela começa exatamente onde sempre esteve, esperando ser reconhecida: no gesto de cuidar.

Roberta da Trindade é fundadora da Habla FM e E-foco Soluções Comerciais | Criadora do Habla Empreendedora (TV, Rádio, Podcast, portais e Comunidade) | Especialista em Gestão Comercial e Pessoas | Voz do Empreendedorismo Feminino. www.linkedin.com/in/robertadatrindade/

Referências

  • Oxfam International – Relatório “Time to Care” (2020) – oxfam.org
  • Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) – Relatório “Economia do Cuidado e Gênero no Brasil” (2023) – ipea.gov.br
  • Espaço Mamma – @espacomamma
  • Donas de Casa (Curitiba) – @donas_de_casa1993
  • Oxfam Global – Programa Time to Care – @oxfaminternational

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