O Governo Federal publicou no início do mês de outubro uma norma para proibir beneficiários do Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) de manterem cadastros ou fazerem depósitos em casas de apostas, as chamadas “bets”. A medida foi tomada após determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), que foi acionado no ano passado pela Confederação Nacional do Comércio (CNC) e o partido Solidariedade, que questionaram a constitucionalidade da regulamentação do setor.
Falando inicialmente em princípios, o Bolsa Família foi o maior, melhor e mais efetivo programa de transferência de renda da história brasileira. Seus benefícios de redução de pobreza, aumento da escolaridade e estabilidade para famílias em vulnerabilidade são amplamente confirmados por estudos e visíveis na sociedade.
Um dos seus maiores méritos foi passar a transferir dinheiro de fato, não subestimar os cidadãos, os dando penduricalhos como os “antigos” programas de vale-gás, ou vales para gastar em alimentos. Nos Estados Unidos, por exemplo, há a distribuição dos chamados food stamps (selos de comida), pelo Supplemental Nutrition Assistance Program (SNAP), que tem como objetivo suplementar a nutrição de cidadãos de baixa renda.
Com dinheiro na mão, as famílias brasileiras passaram a ter a opção de escolher o melhor uso do recurso, dado a sua realidade. Parte desse princípio do Bolsa Família já tem sido comprometido no atual governo, que com viés eleitoral está estabelecendo penduricalhos como a volta do vale-gás, com o sugestivo nome “Gás do Povo”, e um programa de energia elétrica gratuita, o “Luz do Povo”. Neste caso, trata-se de mais um subsídio na já altamente subsidiada economia brasileira. Algo que vai esconder carga tributária e dividir custos que deveriam ser do governo com outros pagantes do serviço. Mais distorção, no País que é repleto delas.
Após falar de princípios, volto ao tema do artigo. Proibir beneficiários de programas sociais de apostar em bets é dizer que essa camada da população não tem consciência de suas obrigações familiares. Basicamente, é subjugar todo um segmento de pessoas, dizendo “você não sabe o que faz com o seu dinheiro”. É “carimbar” a transferência de renda, de forma paternalista e rebaixando toda uma categoria de cidadãos. Isso já acontece para quem recebe vale-alimentação do empregador, mas isso é papo para outro momento.
Mas, já que a intenção é direcionar “melhor” a nossa transferência de renda, por que parar nas bets? Tenho certeza que nossos legisladores – que substituíram os parlamentares – podem pensar em novas formas de proteger as famílias que recebem o Bolsa Família. Que tal proibir os saques? Só dessa forma podemos garantir que não sejam comprados itens que prejudicam a população, como bebidas alcoólicas ou drogas. Também pode ser feita uma análise prévia das compras em mercados, proibindo a aquisição de alimentos ricos em calorias ou gordura.
Uma das coisas que me deixa mais contrariado nessa questão é que os beneficiários não poderão usar as bets, mas seguirão livres para apostar nas Loterias da Caixa. Claro, nessa modalidade existe o “cashback” do Governo Federal, que leva uma fatia bem generosa do valor arrecadado de volta aos seus cofres. E acho mesmo que se os cidadãos soubessem de verdade a chance que têm de ganhar na Mega-Sena, não achariam o Tigrinho tão malvado assim.
Outra modalidade que seguirá de livre acesso para os beneficiários é o Jogo do Bicho, a contravenção favorita de Norte a Sul do País. Essa entidade brasileira, inclusive, já foi apontada como a maior loteria ilegal do mundo e alvo de inúmeros estudos para entender sua popularidade e resistência ao escrutínio governamental.
No frigir dos ovos, a proibição do uso de recursos do Bolsa Família em bets subestima, ainda, a capacidade brasileira da improvisação. Simplesmente a medida vai criar um mercado de empréstimo (ou aluguel, olha a oportunidade) de CPFs para uso por beneficiários do programa. Fácil de burlar, difícil de fiscalizar… A cara do Brasil, não é mesmo?
PS: a decisão do STF, inicialmente monocrática do ministro relator Luiz Fux e posteriormente referendada pelo plenário, foi tomada no afogadilho causado por um estudo altamente questionável – e questionado – do Banco Central.