As empresas familiares são a espinha dorsal da economia brasileira. Segundo dados do IBGE e do Sebrae, elas representam 90% dos negócios no País, geram 75% dos empregos e movimentam cerca de 65% do PIB. Esses números, por si só, revelam sua importância. Mas também escancaram uma responsabilidade: se esse modelo não se renovar, não apenas sua própria continuidade, mas também o futuro deste mercado de trabalho no Brasil pode estar comprometido.
Ao longo da minha experiência em cultura organizacional, percebo que o grande dilema das empresas familiares está na cultura. A forma como se relacionam e tomam decisões é, muitas vezes, herança de uma lógica que funcionou no passado, mas que já não responde às exigências atuais. Um exemplo claro é o modelo 100% presencial, que fortalece vínculos de proximidade e confiança, mas se mostra pouco atrativo para uma nova geração que valoriza flexibilidade e formatos híbridos.
Outro ponto central é a sucessão. No Brasil, ainda predomina o modelo hereditário, em que filhos, netos e sobrinhos assumem os negócios. Esse caminho preserva o legado, mas pode gerar uma perigosa homogeneidade de pensamento. Em um mercado cada vez mais competitivo, a falta de diversidade pode custar caro.
Também vejo fragilidades em alguns sistemas de reconhecimento e recompensa dessas organizações. Não raramente, a proximidade com o dono ainda pesa mais do que critérios claros de cargos, salários e performance. O problema é que, hoje, talento não se retém apenas com proximidade — mas com justiça, transparência e perspectivas de crescimento. Empresas mais profissionalizadas já entenderam isso e estruturaram programas sólidos de engajamento.
É possível mudar esse cenário, mas não de forma imediata ou impositiva. Transformar a cultura exige tempo, planejamento e coragem. Definir um plano de gestão cultural com metas objetivas é um primeiro passo. Equilibrar a hereditariedade com diversidade nos projetos de sucessão, abrindo espaço para diferentes perfis também é fundamental. Além disso, sistemas de performance e reconhecimento precisam ser redesenhados, garantindo equidade e sustentabilidade.
Projetos de profissionalização não acontecem da noite para o dia, mas precisam começar agora. Afinal, a pergunta que todo empresário deve se fazer é: que legado eu quero deixar? A cultura que trouxe a sua empresa até aqui pode não ser a mesma que a levará adiante. O verdadeiro desafio é transformar sem perder a essência.
Adeildo Nascimento é economista formado pela UFPR, com especialização em Gestão de Pessoas e Liderança, com atuação em empresas nacionais e multinacionais, incluindo Bosch, GVT, HSBC, MadeiraMadeira e Fiep. Também é fundador DHEO Consultoria, especializada em cultura organizacional.
www.dheoconsultoria.com.br e www.adeildo.com