A cada dois dias e meio, aproximadamente, uma mulher foi morta no Paraná vítima de feminicídio no primeiro semestre de 2025, de acordo com o balanço semestral do Monitor de Feminicídios no Brasil (MFB) do Laboratório de Estudos de Feminicídios da Universidade Estadual de Londrina (Lesfem/UEL). Ao todo, foram 74 casos no Estado no período, além de 105 tentativas de feminicídio que não resultaram em morte.
Em comparação com o mesmo período de 2024, quando foram identificados 194 casos, houve uma redução de 7,7%. Em relação ao semestre anterior (julho a dezembro de 2024), a queda foi ainda maior, de 22% (de 230 para 179 casos). Ainda assim, os dados representam que houve quase um crime consumado ou tentado por dia nos seis primeiros meses do ano.
Desse total de 179 casos, 80% foram cometidos por companheiros ou ex-companheiros da vítima, sendo classificados como feminicídios íntimos, e 17% ocorreram na presença dos pais ou filhos da vítima. As informações sobre as vítimas mostram que 9% delas haviam feito denúncia prévia e 20% tinham filhos menores de idade ou dependentes.
O levantamento é feito a partir do monitoramento sistemático de notícias e o confronto com dados oficiais do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que reúne as informações das secretarias estaduais.
“Coletamos essas informações e fazemos um trabalho de busca sobre a mesma história. Interpretamos as informações levantadas considerando as Diretrizes Nacionais para a definição de feminicídio, estabelecidas pela ONU Mulheres”, explica a professora de sociologia da UEL Silvana Mariano, coordenadora desta pesquisa do laboratório.

“O mesmo caso precisa ser avaliado e registrado por mais de uma pesquisadora, ou seja, eles passam por um processo de validação na equipe para confirmar que se trata de feminicídio”, continua. Após a consolidação da base própria de informações, elas são confrontadas com os dados do Sinesp, o que, em geral, resulta na inclusão de novos casos na base de dados da Lesfem, principalmente de tentativas de feminicídios, que aparecem com menos frequência nas notícias.
Os dados do MFB são superiores aos registrados oficialmente no Estado — à CBN Curitiba, a Secretaria da Mulher, Igualdade Racial e Pessoa Idosa informou que foram 45 feminicídios no Estado no primeiro semestre. Silvana esclarece que a diferença decorre não apenas do processo, mas também do entendimento do que é o feminicídio, o que o grupo de pesquisa percebe a partir da análise de notícias, de autos de processos e dos Tribunais de Júri.
“Existem casos que nós, à luz do que dizem as diretrizes, classificamos como feminicídio e a polícia classifica como latrocínio ou homicídio. Nas tentativas, tem aquelas que nós consideramos tentativas de feminicídio e a polícia classifica como lesão corporal”, exemplifica. “As diferenças passam pela interpretação e o uso do protocolo. E, no Paraná, ainda se usam pouco as diretrizes nacionais e os protocolos”.
Para além da violência doméstica e familiar
Conforme a professora, costuma ser comum a associação entre feminicídio e violência doméstica e familiar. “Uma simplificação que acontece é a de considerar feminicídio sinônimo de uma morte que foi provocada pelo companheiro ou ex-companheiro. Nas diretrizes, esse é um tipo de feminicídio, o íntimo, mas não o único”, diz.
Um exemplo do que o Lesfem considera feminicídio que foge à essa lógica é o assassinato de uma mulher por outra mulher que a considerava como rival, como uma esposa que mata a amante de seu marido. De acordo com Silvana, mesmo tendo sido cometido entre mulheres, o crime é permeado por questões de gênero que se baseiam em lógicas machistas e correspondem ao “menosprezo ou discriminação à condição de mulher” de que fala o artigo 121-A do Código Penal, que tipifica o feminicídio.
Nesse sentido, a professora avalia que a produção de dados pelo laboratório contribui para a ampliação das discussões e a construção de conhecimento sobre o tema — o que é essencial para reduzir a incidência do crime. “Em março deste ano, tivemos uma redução bastante acentuada no número de casos. São dados recentes, precisamos avaliar séries históricas, mas é possível que, naqueles momentos em que falamos mais sobre esse assunto e sobre os direitos das mulheres, o número de casos diminua”, diz.
Ainda assim, ela reconhece que há um desafio no que diz respeito à prevenção, devido à necessidade de desconstruir ideias e valores que circulam na sociedade que colocam as mulheres como inferiores — ideias essas que circulam de forma mais livre e rápida nas redes sociais e, depois, traduzem-se em violência contra as mulheres. “Precisamos reconstituir o pacto civilizatório, tratando dessas novas demandas, e fazer com que as mulheres sejam vistas como seres humanos dignos e em igualdade com os homens”, conclui.