Ainda em 1884, na capital da Província do Paraná, abria o Theatro São Teodoro. Na época, na Rua Nova. Hoje, Alameda Doutor Muricy. Seis décadas (e sete anos) depois, começava a construção do prédio modernista em frente à praça Santos Andrade, o Teatro Guaíra. E outros 20 anos depois, era inaugurado o auditório do Guairão.
“São 140 anos de história e um número incontável de pessoas que passaram por esse teatro, que é um templo da cultura do Brasil”, afirma a secretária estadual da Cultura, Luciana Casagrande Pereira. “Todos os que estão envolvidos de alguma forma que estão envolvidos na área cultural do Brasil, independente da linguagem que pratiquem, têm o Teatro Guaíra como referência”.
Mais do que uma casa de espetáculos, o Teatro Guaíra se tornou, ao longo dessas décadas, uma verdadeira “fábrica de espetáculos”. É casa de quatro corpos artísticos – o Balé Teatro Guaíra, a Orquestra Sinfônica do Paraná, a G2 Companhia de Dança e a Escola Guaíra –, tem em seu histórico produções marcantes e é responsável pela formação de centenas de artistas e técnicos que iniciaram a carreira ali para ganhar os palcos do Brasil e do mundo.
“Tem um fator histórico bastante importante nesses 140 anos, que é a luta da classe artística paranaense para ter um espaço com essa envergadura, potência e com a estrutura que tem o Teatro Guaíra”, destaca o diretor-presidente do Centro Cultural Teatro Guaíra, Cleverson Cavalheiro. “Foi um conjunto de fatores, que inclui também vontade política para construir e manter esse espaço relevante, que fizeram com que tivéssemos esse presente no nosso Estado”.
Theatro São Theodoro
A história do Teatro Guaíra começou a ser construída no Segundo Império, em 1884, 31 anos depois de o Paraná se emancipar da então Província de São Paulo. Capital da Província, Curitiba já era a maior cidade paranaense e teria, em 1890, uma população de 24.553 pessoas, segundo o Censo Demográfico daquele ano, o segundo feito no Brasil.
Assim como o próprio teatro, as poucas ruas da cidade eram iluminadas a lampião – a primeira lâmpada elétrica seria acesa em 1886, no Passeio Público. E só em 1895 começaria a operar no município o primeiro veículo de transporte público, um bonde puxado por mulas.
Mas já havia uma vida cultural começando a pulsar na cidade desde meados do século XIX. Em dezembro de 1855, o ator mambembe Domingos Martins de Souza inaugurou o Teatro de Curitiba, o primeiro espaço cênico da Capital, construído em uma casa de madeira na Rua Direita, a atual Rua 13 de Maio.
A própria cena teatral que se formava então passou a pressionar pela construção de um teatro oficial. Com isso, em 31 de março de 1871, a Assembleia Legislativa Provincial do Paraná decretou a lei que doaria o terreno contíguo à sua sede “à associação que se propuser a edificar nele um teatro que tenha também um salão para bailes ou grandes reuniões”.
Quem atendeu aos requisitos previstos na lei provincial foi a Sociedade Teatral União Curitibana, formada por Agostinho de Leão, João José Pedrosa, Joaquim Gonçalves de Menezes, Benedito Carrão, Belarmino Bittencourt e Joaquim Teixeira Ramos. Em 25 de março de 1874, foi lançada a pedra fundamental do Teatro São Theodoro – ou Theatro São Theodoro, como era a grafia à época. O nome foi dado em homenagem a Theodoro Ébano Pereira, fundador da cidade de Curitiba.
“As pessoas envolvidas na construção acabaram se tornando nomes de ruas da Capital mais tarde”, conta o iluminador Beto Bruel, um dos mais importantes técnicos da dramaturgia brasileira, que começou sua carreira no Guaíra. “Eles tiveram a ideia de construir o teatro, tentaram por nove anos, fizeram rifa, tiveram ajuda da própria Assembleia e do Governo. Mas em 1880 ainda estavam devendo muito, então entregaram o projeto para o governo, que o finalizou quatro anos depois”.
Dez anos depois do lançamento da pedra fundamental, em 28 de setembro de 1884, o Teatro São Theodoro abria as portas para o público curitibano e seria, por uma década, o principal espaço cênico da cidade. Com plateia e camarotes, o teatro surpreendeu a sociedade curitibana pela sua oponência, e a iluminação ainda era com velas e lampiões de bico de gás.
“O São Theodoro tinha um fosso para orquestra e a iluminação da boca de cena era feita com vela. Quando o pessoal gostava da peça, tinha mania de jogar serpentina. Imagina o perigo de pegar fogo”, brinca Bruel. “Alguns candelabros também ficavam em cima da plateia, que tinha o ingresso mais barato que os camarotes justamente porque a cera da vela derretia e pingava em quem estava assistindo ao espetáculo”.
Em 1894, com o avanço dos conflitos da Revolução Federalista, o São Theodoro foi transformado em um presídio por um ano, até o fim da revolução, o que acabou degradando a edificação. Somente em 1900 o espaço foi reestruturado e retomado como uma casa de espetáculos, que ganhou um novo nome.
(Re)nascia ali o Theatro Guayra, cujo nome foi sugerido pelos escritores Romário Martins e Sebastião Paraná. “A sociedade se organizou para reaver o teatro. Ele passou por uma reforma, entrou a luz elétrica e foi reinaugurado em 3 de novembro de 1900”, conta o diretor artístico do Centro Cultural Teatro Guaíra, Áldice Lopes.
Theatro Guayra
Por mais três décadas, o Guayra continuou movimentando a cena cultural curitibana, com operetas, concertos musicais, espetáculos de mágica e de variedades, monólogos, palestras e o despontar de uma série de companhias independentes. Tudo isso tinha lugar nos palcos do Guayra, lotando camarotes e plateias.
Um marco para a época foi a montagem da ópera Sidéria, em 1912, com texto de Jayme Ballão, música de Augusto Stresser e regência do maestro Leo Kessler, que reuniu cantores e instrumentistas locais.
Outro papel importante foi da Sociedade Teatral Renascença, companhia fundada pelo ator Salvador de Ferrante, que dá nome ao auditório Guairinha. “Nesse período, grande nomes das artes cênicas se apresentavam no teatro, como Itália Fausta, Leopoldo Fróes, Procópio Ferreira e o Salvador de Ferrante, que com a Sociedade Teatral Renascença montou mais de 90 peças no Guaíra”, destaca Lopes.
Mas na década de 1930, quando novos momentos políticos e históricos surgiam no Brasil, o teatro passaria por um revés. Com a morte de Salvador de Ferrante, em 1935, a sociedade teatral deixou de existir, reduzindo também o número de peças e apresentações no local. Além disso, rachaduras nas paredes do prédio serviram de desculpa para o fim do primeiro ato dessa história.
Em 1937, o prefeito em exercício Aluízio França, que ficou por pouco mais de dois meses no cargo, ordenou a demolição do teatro, o que ocorreria na década seguinte.
No mesmo terreno, seria construída mais tarde a Biblioteca Pública do Paraná, inaugurada no mesmo ano (1954) que o novo prédio do Guaíra.
Novo Guaíra
Apesar de contar com outras companhias cênicas, Curitiba ficou por quase 20 anos sem um teatro oficial, apesar da mobilização da sociedade para construção de um novo espaço, com uma campanha liderada pela Academia Paranaense de Letras desde a desativação do primeiro.
Em 1948, o governador Moysés Lupion lançou um concurso para contratar o projeto arquitetônico para o novo espaço, que começou a ser erguido na Praça Ruy Barbosa com uma arquitetura clássica. Mas os ventos dos anos 1950 sopravam com ar de modernidade, e o Paraná passava por um crescimento econômico impulsionado pela produção do café.
Nesse contexto, o governador Bento Munhoz da Rocha Netto assumiu o governo em 1951, às vésperas do centenário da emancipação política do Estado. Para marcar a data, planejou uma série de projetos marcantes. Dez anos antes da inauguração de Brasília, ele iniciou a construção do Centro Cívico, reunindo em um espaço os prédios dos Três Poderes estaduais, da Biblioteca Pública do Paraná e, finalmente, do Teatro Guaíra.
Munhoz da Rocha retomou o concurso realizado por Lupion, mas ao invés do vencedor escolheu o terceiro colocado na ocasião, assinado por Rubens Meister e Eugênio Oswaldo Grandinetti. Com arquitetura modernista, em contraste ao prédio histórico da Universidade Federal do Paraná (UFPR) que fica logo em frente, na Praça Santos Andrade, o novo Teatro Guaíra começou a ser construído em 1952.
Dois anos depois, com a parte estrutural já erguida, abrem-se as cortinas do primeiro dos três auditórios que compõem o edifício. O pequeno Auditório Salvador de Ferrante, o Guairinha, foi inaugurado em 19 de Dezembro de 1952 com a presença do governador Bento Munhoz da Rocha Netto e do então presidente do Brasil, Café Filho. Já no início do ano seguinte, recebia sua primeira peça – Os Inocentes, baseada na novela A Volta do Parafuso, de Henry James – encenada pela Companhia Dulcina, dos atores Dulcina de Moraes e Odilon Azevedo.
“A partir da estreia desse espetáculo, a dona Dulcina elogiou muito o auditório, sua acústica, que ela comparou à de grandes teatros, como o de Montevidéu e de Buenos Aires”, ressalta Áldice Lopes. “Curitiba passou então a entrar no roteiro das grandes companhias do Brasil, que passaram a circular por aqui”.
A previsão era de que o Grande Auditório Bento Munhoz da Rocha Neto fosse finalizado em 1971, mas um incêndio em 1970 adiou a entrega do Guairão. Ele foi então inaugurado em dezembro de 1974 e logo se consolidou como o grande palco de espetáculo do Paraná, recebendo os concertos da Orquestra Sinfônica, apresentações do balé, grandes produções, inclusive de óperas, e várias peças e shows.
Em 28 de agosto de 1975 é inaugurado o último auditório, Glauco Flores de Sá Brito, o Miniauditório, completando o projeto do complexo cultural, que a partir de então passava a se chamar Fundação Teatro Guaíra – atualmente, Centro Cultural Teatro Guaíra.
Com 16,9 mil quadrados de área total e capacidade de 2.757 lugares, o teatro se consolidou como a grande casa de espetáculos de Curitiba e do Paraná, referência no Brasil e no exterior. De seus palcos e coxias, saíram grandes nomes da dança, artes cênicas, da música e da técnica teatral brasileira e dos corpos artísticos da casa.
Com informações da Agência Estadual de Notícias.