Morreu nesta sexta-feira (12) o advogado Gilmar Quintilhano, presidente do Instituto Alice Quintilhano, que defende os direitos de mulheres vítimas diretas e indiretas de violência doméstica e o feminicídio. O velório ocorre na Capela 2 do Santa Cândida, e o sepultamento será às 17h, no Cemitério Municipal do Santa Cândida.
Gilmar Quitilhano criou o instituto que leva o nome da sua mãe, Alice, empregada doméstica assassinada aos 36 anos pelo marido, pai dele. A filha mais velha do casal tinha 11 anos e o filho caçula apenas 1 ano e três meses de idade, Gilmar. Advogado por formação, ele foi funcionário da Câmara Municipal de Curitiba por 16 anos, sendo comissionado dos vereadores André Passos (PT), por 8 anos, e Jonny Stica, também por oito anos.
Stica lembra com carinho da relação pessoal e profissional que mantinham até hoje. “Era impossível não sorrir perto do Gilmar, sempre com seus bordões e bom humor. Ele era muito conhecido e querido por todos, navegando facilmente por todos os ambientes, desde a Câmara de Vereadores até secretarias municipais e estaduais. Não existia o difícil para ele. Era um excelente assessor, que não deixava nada para depois. O Gilmarzinho, como o chamávamos, apesar de seu passado difícil – órfão, negro, pobre e traumatizado – transformou sua dor em amor ao próximo. Ele sempre mostrou-se resiliente durante toda a vida e fazia questão de expressar gratidão a todos que o apoiaram. Nós é que éramos gratos por tê-lo por perto. Não esquecerei da amizade, confiança e fidelidade que compartilhamos”, afirmou.
Os dados da violência doméstica e o feminicídio no Brasil são alarmantes. Segundo o relatório publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o país registrou 1.463 casos de mulheres vítimas de feminicídio em 2023. Isso siginifca 1 caso a cada 6 horas. E reportagem publicada no Anuário da Justiça Brasil 2024 mostrou que o volume de demandas judiciais sobre o tema subiu 51% entre 2010 e 2013.
Com sua forte atuação na causa, Gilmar Quintilhano se tornou referência em eventos, palestras e debates públicos. Em maio, ele contou que a instituição surgiu depois do trauma sofrido por perder a mãe jovem. “Órfãos são invisíveis aos olhos da sociedade. Após o feminicídio, a violência doméstica é riscada, a medida protetiva é arquivada. E aqueles que ficam?”, disse no durante podcast da Câmara Municipal de Curitiba.
Em novembro do ano passado, em razão do Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres, Quintilhano lembrou, emocionado, que passou 90 dias num orfanato até sua tia conseguir a sua guarda e não vivenciava o Dia das Mães. “Esses traumas são irreversíveis e irreparáveis. São traumas que você carrega para o resto da vida. Nenhuma mulher entra num relacionamento dentro do caixão. Entra com sonhos de viver uma vida compartilhada. Não podemos permitir e muito menos banalizar a violência cotra a mulher”, disse, muito emocionado, durante audiência pública na Assembleia Legislativa do Paraná.
Traumas
Experiências traumáticas na infância são feridas que o tempo não cura. Um dos grandes estudos sobre experiências adversas na infância (ACEs), que entrevistou 17 mil adultos nos Estados Unidos, apontou que quanto maior a exposição a traumas na infância maior a propensão da pessoa para desenvolver problemas de saúde física e mental. Os pesquisadores consideraram 10 ACEs: abuso físico, abuso emocional, abuso sexual, negligência física, negligência emocional, divórcio dos pais, violência doméstica, um dos pais com dependência química, um dos pais encarcerados e um dos pais com alguma doença mental.
O resultado mostrou que quando uma pessoa tem 4 ou mais experiência adversas, ela tem: 2x mais chances de ter câncer na vida adulta e 4,6x mais chances de sofrer com depressão. E com 6 experiências adversas, a pessoa tem uma redução da expecatativa de vida em 20 anos. “Atuar contra o trauma é salvar vidas, seja na condição familiar ou profissional. Quando o ciclo da violência não é interrompido, ele continua afetando as próxiams gerações. O que acontece na infância não fica na infância”, publicou em seu Instagram a pediata e especialista na prevenção de trauma na infância Priscila Xavier.
O trabalho de Gilmar Quintilhano e do instituto Alice Quintilhano são de fundamental importância para o conhecimento e o reconhecimento a respeito dos traumas ocorridos na infância, das consequências físicas, sociais, emocionais e mentais de todo mundo.
Pesar
O PT (Partido dos Trabalhadores) do Paraná emitiu uma nota oficial a respeito do falecimento de Gilmar Quintilhano. “Militante das causas de direito das mulheres e do movimento negro, Gilmar deixa um lindo legado de luta contra a violência doméstica e o feminicídio. Gilmar, presente! Hoje e sempre”. O presidente do diretório de Curitiba, Angelo Vanonhi, também lamentou a morte de Gilmar em suas redes sociais. “Gilmar tem uma história de luta em defesa da vida das mulheres, no combate à violência doméstica e ao feminicídio. Foi companheiro em defesa da democracia e contra as injustiças que assolam o povo pobre e de forma particular, a população negra”.