O nome do ex-deputado federal e ex-coordenador da Força Tarefa da Operação Lava Jato Deltan Dallagnol (Novo) foi uma das opções apresentadas ao eleitor curitibano na Pesquisa Radar divulgada final de semana, que mediu as intenções de voto para a prefeitura da capital paranaense – confira nossa análise dela aqui. A presença do pré-candidato na pesquisa levou o PT a pedir a suspensão de sua divulgação, com a alegação de que Dallagnol não poderia constar no levantamento, por estar inelegível. Isso ocorreria pelo fato de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ter indeferido seu registro de candidatura nas eleições de 2022, cassando seu mandato de deputado federal e seus mais de 300 mil votos obtidos nas urnas.
A representação petista foi indeferida pelo juiz Eleitoral Irineu Stein Junior, que considerou que “não há na legislação eleitoral previsão que importe em óbice [impedimento] à inclusão do nome do ex-deputado Deltan Dallagnol dentre possíveis candidatos nas pesquisas para às eleições municipais vindouras, em especial considerando que não cabe a esta Justiça Eleitoral antecipar juízo de mérito quanto aos requisitos para registro de candidatura, sob pena de influenciar indevidamente o processo eleitoral”.
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O magistrado ainda avalia os efeitos da decisão do TSE que indeferiu o registro de candidatura de Deltan, afirmando que, no acórdão (texto final da decisão), não houve a decretação de inelegibilidade. “Neste sentido e em continuidade, em diligência do Juízo perante a serventia, não se observa ao cadastro eleitoral do possível candidato, até então, anotação do código de Atualização de Situação de Eleitor (ASE) – 540, relativo à ‘ocorrência a ser examinada em pedido de registro de candidatura’, dentre as quais figuram as causas de inelegibilidade”, despachou.
Para Dallagnol, a decisão referente à pesquisa é uma afirmação de que ele está apto a concorrer à Prefeitura de Curitiba em 6 de outubro. “A decisão da primeira instância da justiça eleitoral apenas confirma o que já estávamos dizendo: estou elegível. No exercício de futurologia do TSE, não declararam minha inelegibilidade. O PT pode espernear, mas, devido à perseguição deles, agora temos uma confirmação disso em uma decisão judicial. Obrigado, Gleisi, por usar os recursos do seu partido para provar que estou elegível!”, declarou em nota enviada à imprensa.
O que dizem a lei e os especialistas
Especialistas em direito eleitoral ouvidos por O Luzeiro, no entanto, explicam a situação eleitoral do ex-deputado e ex-procurador, reforçando sua inelegibilidade, mas esclarecendo por que a situação não foi considerada ao se julgar a impugnação da pesquisa.
Carla Karpstein, ex-presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-PR; Guilherme Gonçalves, membro fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral, e Renata Desplanches, do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral, reafirmam que Deltan Dallagnol está inelegível até o dia 5 de novembro de 2029, quando se completarão oito anos de sua exoneração (pedido de demissão) do Ministério Público Federal (MPF).
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A inelegibilidade do ex-procurador, no entanto, só seria confirmada no momento do julgamento de um novo registro de candidatura que ele vier a fazer neste período, pois não há uma condenação a perda de direitos políticos ou de declaração de inelegibilidade. Este último caso, por exemplo, é o que ocorreu na Ação de Investigação Judicial Eleitoral, que declarou que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) está inelegível. O caso de Dallagnol se enquadra em uma das situações de inelegibilidade apontadas pela Lei da Ficha Limpa, que torna inelegível membros do Ministério Público que deixem o cargo em meio a processos administrativos disciplinares.
“Ele teve o registro indeferido pela alínea ‘q’ do inciso I, art. 1º da Lei 64/90 [a Lei da Ficha Limpa], que diz que os magistrados e os membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória [punição], que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar, ficam inelegíveis pelo prazo de oito anos. Mas isso não o impede de registrar candidatura. Qualquer pessoa pode registrar candidatura e, a partir deste registro é que se apontam possíveis situações de inelegibilidade”, explica Carla Karpstein.
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“A ação que foi ajuizada em 2022 é uma ação de impugnação de registro de candidatura. Ela tem o efeito meramente declaratório, ou seja, ela reconhece uma situação pré-existente ao registro. Mas ela não tem um efeito sancionatório, não aplica nenhuma sanção [punição]. Esse tipo de julgamento considera o efeito declaratório, mas não transita em julgado para eleições futuras, porque ele reconhece a existência de uma cláusula de inelegibilidade. De fato, ele não está inelegível neste momento, porque ele não pediu registro, mas, ele pedindo registro, essa inelegibilidade será apontada e haverá um acórdão unânime do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para embasá-la”, aponta Guilherme Gonçalves.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reconheceu, em 16 de maio de 2023, que Deltan Dellagnol, ao pedir exoneração (demissão) do cargo de procurador da República na pendência de procedimentos para apurar infrações funcionais – passou a incidir em uma das causas de inelegibilidade prevista na Lei Complementar 64/90 (alínea “q”), o que resultou no indeferimento do seu registro de candidatura a deputado federal.
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Este dispositivo da chamada Lei da Ficha Limpa estabelece expressamente que a inelegibilidade será por um período de oito anos. Isso tornaria impossível que Deltan Dallagnol seja diplomado como eleito nas eleições municipais de 2024. “No entanto, o que ocorre é que essa inelegibilidade, embora impeça o deferimento [aprovação] do registro, não o impede de ser escolhido em uma convenção partidária e de solicitar o registro de sua candidatura”, pontua Desplanches.
“Portanto, até que haja uma decisão colegiada a respeito do seu registro de candidatura para as eleições de 2024 em Curitiba, é fato que Deltan pode se apresentar como pré-candidato, aparecer em pesquisas de intenção de voto e, a partir do dia 16 de agosto, praticar até mesmo os atos de campanha”, acrescenta.
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Defesa de Deltan aposta em “fatos novos”
Em contrapartida, o advogado de Dallagnol, Leandro Rosa, diz acreditar que, em um outro julgamento de registro de candidatura, conseguirá, apresentar fatos novos que levariam à aprovação da candidatura pela Justiça Eleitoral.
“A decisão proferida pelo TSE foi específica e limitada para as eleições de 2022. E, naquela oportunidade, o referido Tribunal não tornou Deltan Dallagnol inelegível para as futuras disputas eleitorais. A decisão atingiu apenas o registro de candidatura de Deltan para aquela eleição passada, de deputado federal, o que não impede que, agora, ele faça um novo pedido de registro de candidatura, que terá de receber uma nova análise judicial, inclusive por meio de julgamentos diversos. Isso porque as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade são analisadas a cada eleição, no momento da formalização do pedido de registro de candidatura”, afirmou Rosa.
“Nesse eventual novo processo de registro de candidatura, para 2024, será possível que Deltan junte documentos, requisite provas, faça a oitiva [depoimento] de testemunhas, o que não foi feito no passado”, sustenta o advogado do ex-deputado.
No julgamento do ano passado, a principal linha de defesa do ex-deputado foi a de que não havia, no momento em que ele pediu exoneração do Ministério Público Federal, nenhum processo administrativo disciplinar (PAD) contra ele em trâmite. Existiam apenas procedimentos administrativos que poderiam levar a abertura de PADs. O TSE, no entanto, interpretou que o ex-procurador pediu exoneração antecipada do MPF justamente para impedir a abertura de PAD e, assim, escapar da inelegibilidade, situação que caracteriza a figura de fraude à lei. Os ministros levaram em consideração o fato de haver 15 procedimentos em vias de evoluírem a processos no momento da exoneração de Deltan e o fato de o ex-deputado ter deixado o Ministério Público 11 meses antes da eleição, quando o prazo de desincompatibilização é de seis meses, entre outros elementos probatórios. Para Deltan o julgamento do TSE foi um “exercício de futurologia”.
Vácuo na legislação traz insegurança jurídica
A situação apontada pelos eleitoralistas pode implicar em uma eleição judicializada em Curitiba, caso Deltan Dallagnol confirme a candidatura. Pela jurisprudência da Justiça Eleitoral, candidatos com o registro indeferido (desaprovado) podem fazer campanha até haver uma decisão colegiada (por mais de um juiz) pelo indeferimento (desaprovação). Foi isso que aconteceu, por exemplo, nos casos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2018, e no caso do deputado estadual Renato Freitas (PT), nas eleições de 2022. No caso de Lula, a inegibilidade foi confirmada. Já Freitas conseguiu reverter a decisão.
Assim, Dallagnol pode registrar sua candidatura, ela ser indeferida (desaprovada) por um juiz de primeira instância e, mesmo assim, ele seguir em campanha até o julgamento de eventual recurso por um órgão colegiado (de mais de um juiz) do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE).
“Se o tribunal for bem célere [rápido], esse julgamento ocorre entre 20 e 25 dias após o registro”, analisa um dos advogados. O prazo final para registro de candidaturas é no dia 15 de agosto e, de acordo com a Legislação, o partido pode substituir o candidato até 20 dias antes da eleição – dia 16 de setembro, neste ano.
“Ele pode registrar e tentar convencer o juiz de primeira instância, o TRE e o próprio TSE a rever uma decisão unânime do TSE. Ou pode registrar, fazer campanha e trocar o candidato na sequência – como fez Lula em 2018. Também pode disputar a eleição, ser declarado inelegível e todos seus votos serem considerados nulos, o que aconteceu com seus mais de 300 mil votos para deputado federal em 2022”, comenta Guilherme Gonçalves.
“Esse ainda é um problema que a Justiça Eleitoral precisa resolver. Uma pessoa que está em condição de inelegibilidade pode se registrar, fazer campanha, ter participação ativa no processo eleitoral, influenciar no resultado. Claro que muitos casos precisam mesmo ser analisados individualmente, mas para algumas alíneas em que a inelegibilidade é incontestável, deveria haver o impedimento de registro”, avalia Carla Karpstein.
Essa falha da legislação, apontada pela ex-presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-PR, se torna especialmente grave pois permite o uso de recursos dos fundos partidário e eleitoral mesmo por candidatos que mais tarde terão seu registro de candidatura invalidado pela Justiça Eleitoral. Estes dois fundos são dinheiro público, dos contribuintes, que são repassados aos partidos políticos, levando em conta seu desempenho nas urnas.