Em 2016, a soja chegou pela primeira vez a R$ 100 a saca. Hoje, 8 anos depois, estamos com o mesmo preço, depois de altos e baixos. Como podemos comparar esses dois cenários? O Luzeiro buscou a opinião de especialistas do setor para entender a situação, que enfraquece o segmento mais forte do Brasil e também do Paraná, o agronegócio.
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Apesar da demanda ter subido 12% pelos grãos desde lá, a volatilidade do mercado foi extrema devido a inúmeros fatores. Dentre eles, quebras significativas de safra em países como Estados Unidos e Brasil, pandemia e a guerra entre Rússia e Ucrânia. Para completar, o real desvalorizou-se muito perante ao dólar, o que também contribuiu.
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De acordo com Ana Paula Kowalski, técnica do departamento Técnico e Econômico da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep), os preços permanecem baixos depois de picos como mais de R$ 100 no milho e trigo e quase R$ 200 na soja, pela oferta atual de grãos frente à demanda – no caso, oferta abundante e desaceleração da demanda. O problema é que, aliado a isso, os produtores plantaram a soja com preços mais altos e venderão a preços mais baixos, pois os preços dos insumos acompanham o de venda. o que tem causado uma dificuldade generalizada. E ainda é importante lembrar da crise climática.
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“Disponibilidade de produto resulta em queda de preços. Nesse momento, não há equilíbrio das contas. A margem já estava negativa para os principais grãos considerando uma produção plena, sem perdas. Diante desse cenário de quebra de safra, já confirmado para soja, milho 1ª safra e feijão, principalmente, teremos muitos produtores com dificuldade de pagamento das obrigações financeiras assumidas”, comentou.
Além disso, as taxas de juros globais altas contribuem para que os compradores não alonguem suas posições, ou seja, só compram quando estão realmente necessitando – sem produzir estoques consideráveis. “Mecanismo que tem sido adotado pela China, que segue comprando, mas somente quando há ofertas. Ou seja, ela não agride o mercado. Além disso, as margens para o suinocultor chinês segue negativa há muitos meses, por conta disso eles passaram a fazer misturas com substitutos para o farelo da soja, diminuindo o apetite comprador”.
Para Rodrigo Trage, sócio da Granoeste Investimentos, alguns pontos podem favorecer o preço no Brasil ainda neste ano. A área de plantio dos EUA e o fator Donald Trump, eventual candidato à presidência.
“O que pode alterar o futuro dos preços é a definição de área dos EUA. Nesse mês teremos as prévias e a definição de fato lá em abril. Após isso, entraremos no período de sazonalidade climática que, a depender, podem puxar os preços. Além disso, hoje a posição vendida dos fundos é muito grande, se por ventura passarmos a ter fatores altistas, podemos ver uma corrida nos mercados”, analisou.
“Teremos também as eleições presidenciais e um dos caminhos possíveis é que o Trump vença. Se acontecer, ele já se pronunciou dizendo que deve retornar as taxações de 60% contra a China, o que nos levaria novamente a um cenário parecido com o que vimos em 2018 na guerra comercial. Nesse quesito, os preços na CBOT (Bolsa de Chicago, balizadora dos preços de commodities do mundo) devem cair, mas para o Brasil é um excelente negócio, pois traria a demanda para nós e os prêmios (compensações financeiras) devem subir nesse cenário”, complementou o analista.
Trage também citou outros fatores que podem influenciar para baixa, como aumento de estoque nos EUA, superprodução na Argentina entre outros.
Para ele e Ana Paula Kowalski, encontrar estratégias de negociação em Bolsa podem proteger o produtor rural, mas ainda é uma realidade distante para a maioria. Quando falamos do Paraná, por exemplo, mais de 80% dos nossos agricultores cultivam em pequenas propriedades, com área inferior a 50 hectares. Além disso, há um problema cultural e acadêmico.
“As formações acadêmicas voltadas à agropecuária são deficientes quando se trata de explorar as estratégias de mitigação de risco de preços, sendo difícil encontrar profissionais capacitados nessa área. Ainda que as operações em bolsa careçam de corretores, e quase sempre contem com assessores financeiros, o produtor rural precisa de embasamento mínimo para ter segurança em contratar esse tipo de serviço”, disse Kowalski.
Hora de mudar do foco?
Será que o baluarte do agronegócio brasileiro, de produzir mais porque a demanda mundial está sempre aumentando, se sustenta? Questionada sobre possível mudança no foco do agricultor, como mudar a aposta na produção de soja porque a demanda global pode não mais acompanhar o avanço da produtividade, a técnica da Faep disse que é difícil definir uma estratégia como essa.
“É difícil definir a estratégia de produzir menos individualmente, ainda mais como nação. A renda do agricultor depende da sua produção, seja agrícola ou pecuária. Se ele opta por reduzir área de soja, terá que aumentar a de milho, se opta por reduzir a de milho 2ª safra, precisará aumentará a de trigo, pois área não cultivada quase sempre resulta em prejuízo”, afirmou Kowalski.
Segundo ela, ainda que haja vertentes apontando para demanda estagnada, o fato é que a população mundial continuará a crescer, não de forma homogênea, com taxas menores, mas crescente. “Além da demanda por alimentos desta população, alguns produtos cada vez mais tem dupla finalidade, sendo destinados não somente à indústria alimentícia, mas à energética, por exemplo. Neste rol de produtos temos o milho e trigo (etanol), soja (biodiesel), cana-de-açúcar (etanol). Levando em consideração que fontes não renováveis tendem a ter seu consumo reduzido em detrimento das renováveis, o cenário é positivo”, analisou.
Ajuda do governo
Com relação a eventuais ajudas do Governo Federal, Tage cita que a bancada rural é majoritariamente contra o atual governo e que preços mais baratos em alimentos são do interesse de qualquer administração – pois ajudam a diminuir a inflação. “Por isso, acredito que não devemos ver ajuda do governo”.
Já Kowalski disse acreditar que tanto o crédito rural com juros baixos e os mitigadores de risco, como seguro e ProAgro, precisam ser fortalecidos – mesmo que já sejam bastante importantes. No entanto, ela citou outros fatores difíceis de serem controlados ou facilmente solucionados.
“O país ainda tem muitos entraves de infraestrutura, logística e de planejamento estratégico de suas cadeias primárias, o que onera o setor produtivo e limita sua capacidade de planejamento e de melhoria dos índices de eficiência do agronegócio. A produção agrícola, diferentemente dos demais, está sujeita a eventos climáticos que causam perda de produção, os insumos básicos são, em sua maioria, importados e nem todos os produtores têm condições financeiras ou de competitividade de agregar valor aos seus produtos, o que potencializa os efeitos desses problemas estruturais relatados. A ineficiência de muitos processos que dependem do setor público também são obstáculos ao crescimento sustentável da produção agropecuária e devem ser foco de melhoria e inovação constantes”, completou a técnica da Faep.