O vereador Angelo Vanhoni (PT) apresentou um relatório com voto em separado no Conselho de Ética da Câmara Municipal Curitiba no processo ético-disciplinar que apura as infrações cometidas pela vereadora Maria Letícia (PV). Ela se envolveu em um acidente de trânsito, sem vítimas, em novembro do ano passado no bairro Bigorrilho. O relatório alternativo recomenda que ela sofra a pena de suspensão de prerrogativas regimentais pelo prazo de 3 meses.
Na semana passada, o vereador relator do caso, Professor Euler (MDB) havia recomendado a pena de cassação do mandato da parlamentar por abuso de autoridade. Segundo ele, Maria Letícia usou do cargo de vereadora para tentar se livrar da abordagem dos policiais no dia do acidente. O relator desconsiderou as outras duas condutas investigadas – direção sob efeito de substância, tentativa de evadir-se do local – considerando que ocorreram na vida privada da vereadora.
O voto em separado de Vanhoni e o relatório de Euler serão levados à votação no Conselho de Ética na tarde desta terça-feira (23). Caso os membros do colegiado adotem a pena de cassação, terá que haver aprovação em plenário, pela maioria absoluta vereadores, para que ela seja efetivada. Já se houver maioria de votos pela pena de suspensão de prerrogativas regimentais, ela será efetiva de imediato.
Caso tenha as prerrogativas suspensas, Maria Letícia terá que deixar o cargo de 2ª secretária na Mesa Diretora da Câmara, não poderá se candidatar à presidência de comissões ou conselhos e não poderá usar a palavra nas sessões, seja no Pequeno ou no Grande Expediente.
Relatórios discordam sobre artigos do Código de Ética que foram violados
Em seu parecer, Vanhoni alega que deve existir proporcionalidade da pena, além de dizer que o crime de desacato à autoridade policial deve ser julgado na esfera criminal. No momento, essa investigação contra Maria Letícia está sob suspensão condicional do processo, um acordo feito com o Ministério Público do Paraná (MP-PR). Ela pagou multa e terá que cumprir restrições pelo prazo de dois anos.
O voto em separado concorda com o relator no caso na existência de abuso de autoridade, mas aponta que as condutas da vereadora no dia de seu acidente foram uma infração ao artigo 8 do Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, que prevê a pena de suspensão das prerrogativas.
Art. 8º São infrações ético-disciplinares, puníveis com a suspensão de prerrogativas regimentais, quando não couber penalidade mais grave:
II – deixar de observar os deveres fundamentais do Vereador, previstos no artigo 3º deste Código;
III – Usar os poderes e prerrogativas do cargo para constranger ou aliciar servidor, colega ou qualquer pessoa sobre a qual exerça ascendência hierárquica, com o fim de obter qualquer espécie de favorecimento.
Vanhoni prossegue dizendo que o inciso do artigo 3 que Maria Letícia teria desrespeitado é o décimo.
Art. 3º São deveres fundamentais do Vereador, sem prejuízo de outros legalmente previstos:
X – tratar com respeito, urbanidade e independência os colegas, as autoridades, os servidores da Casa e os cidadãos com os quais mantenha contato no exercício da atividade parlamentar, prescindindo de igual tratamento;
Professor Euler, por sua vez, qualificou as condutas de Maria Letícia como infração ao artigo 10, inciso I do Código de Ética e Decoro Parlamentar, cuja previsão é cassação de mandato.
Art. 10º São procedimentos incompatíveis com o decoro parlamentar, puníveis com a perda do mandato:
I – o abuso de prerrogativas asseguradas ao Vereador;
“Eu sou vereadora, vocês vão se ferrar”
A frase proferida pela vereadora, segundo o Boletim de Ocorrência, foi determinante para a decisão de Professor Euler, que pediu em seu relatório a cassação da vereadora Maria Letícia.
“Constatou-se simultaneamente abuso de autoridade, visto que a parlamentar não apenas ofendeu os policiais, mas também invocou a sua condição de vereadora para tentar coagi-los a não cumprirem o dever deles. Quando a vereadora fala ‘eu sou vereadora, e vocês vão se ferrar’, ela sai da sua vida simplesmente privada e traz o seu mandato diretamente para dentro da cena do acidente”, diz um trecho do parecer de Euler.
Ele ainda faz uma ponderação. “Se ela tivesse dito somente ‘vocês vão se ferrar’, obviamente já seria algo reprovável, mas não haveria possibilidade de ser enquadrado como quebra de decoro parlamentar. No entanto, da forma como ela se dirigiu aos policiais, querendo com seu cargo inibir a ação deles, a representada abusou explicitamente das prerrogativas asseguradas aos vereadores”, concluiu.
E foi o fato de ela não estar no exercício efetivo do mandato no momento do acidente que as outras duas supostas condutas foram avaliadas pelo relator como improcedentes. Em ambos os casos, Euler aponta “o inegável alto grau de reprobabilidade da conduta de dirigir embriagada, apesar do senso comum de que este comportamento por si só já seria suficiente para cassação de mandato” de Maria Letícia.
Entenda o caso
Segundo a Câmara Municipal de Curitiba, dois dias depois do acidente, o presidente da Casa, Marcelo Fachinello (Pode), determinou à Corregedoria que abrisse uma sindicância para apurar a autoria e a materialidade dos acontecimentos imputados à parlamentar. No dia 15 de janeiro, o corregedor Ezequias Barros (PMB) confirmou o envolvimento da parlamentar na colisão e opinou que haveriam indícios de ofensa ao Código de Ética, sem no entanto entender que seria passível de cassação de mandato.
Nas alegações finais, apresentadas à CMC no dia 2 de abril, a defesa da vereadora Maria Leticia rebateu as três hipóteses de quebra de decoro em discussão no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, pedindo o arquivamento da representação.
“No presente caso, não é crível que se depreenda a mínima existência de quebra de decoro parlamentar, pois a conduta praticada pela representada, ainda que se possa considerar imprudente, não representou ofensa à reputação do Poder Legislativo”, diz o documento, que tem 38 páginas e é assinado pelos advogados Guilherme de Salles Gonçalves e Fernanda Bernardelli Marques.